A contribuição de Spike Lee para o cinema jamais poderá ser subestimada.
Destacamento Blood, o seu filme mais recente, comprova a importância do cineasta para o cinema contemporâneo e, ao mesmo tempo, revela o quanto é importante manter o foco num longa-metragem.
Com locações na Tailândia, o filme tem como um de seus trunfos a bela fotografia de Newton Thomas Sigel, que neste artigo da Insider comenta os 5 melhores momentos do filme de Spike Lee.
Eis que é um desafio assistir ao filme "de um só fôlego". As 2h36minutos de duração meio que se arrastam. No cinema, seria muito cansativo.
Os flashbacks com cenas da guerra atrapalham o andamento da história interessante, ou seja, o reencontro dos amigos para resgatar itens importantes que deixaram para trás em terras vietnamitas.
Sei, alguém poderá dizer que os flashbacks são relevantes do ponto de vista narrativo para dar uma dimensão das sequelas psicológicas dos personagens, em especial Paul, que é um personagem à beira do colapso.
Mas não precisavam ser tão extensos.
O fato é que precisei fracionar o filme em três etapas para chegar ao fim.
Isso não tira do filme as suas qualidades, que não são poucas.
Até porque ali em cima eu afirmei que Destacamento Blood comprova a importância de Spike Lee para o cinema atual.
O cinema precisa de cineastas independentes, que tenham sua visão própria e coragem para transmiti-la.
E qual é a visão em Destacamento Blood?
Imagine um mundo desequilibrado.
Em cada prato da balança, Spike Lee coloca, alternadamente, desesperança, fé; inconformismo, ceticismo; ternura, ultraviolência; racismo de um tipo, racismo de outro; radicalismos, solidariedade; ganância, desprendimento.
A visão de Lee é caótica, quase niilista.
A menos que você só queira um motivo para levantar bandeiras, você também quer uma história bem contada.
E, em Destacamento Blood, o foco da história meio que se perde com a insistência naqueles desnecessários flashbacks que poderiam ter sido cortados.
Essas memórias não transmitem verossimilhança, até porque os atores aparecem velhos combatendo na guerra do Vietnã junto com o amigo tombado, ainda jovem. Elas não "ring true", para usar uma expressão americana. Não soam verdadeiras. É nítida a impressão de que o cinema não precisava de mais cenas da Guerra do Vietnã filmadas de um modo atropelado e deslocado.
O melhor do filme está em cenas como aquela em que o grupo está no mercado flutuante e um local insiste em vender uma galinha a Paul, veterano da guerra do Vietnã interpretado por Delroy Lindo, cotado para ser indicado ao Oscar de Melhor Ator.
Ele chama o vietnamita de "amarelo" num misto de desprezo e racismo.
Os bons momentos, entretanto, acabam diluídos em meio a cenas que não funcionam, coincidências exageradas de um roteiro que mais parece uma colagem de ideias do que um trabalho coeso. Boas ideias entremeadas com pastiches. No terço final o filme acelera e melhora sensivelmente, mas sempre com a falta de foco, com direito a homenagem a MLK e esse insistente aspecto de "jogar para a torcida".
Compare-se, por exemplo, Destacamento Blood com a A voz suprema do blues. O primeiro tem uma hora a mais. É multifocal: trata de mil e um assuntos. O segundo é mais discreto e simples em termos de unidade e foco. Estilos diferentes de abordar uma história. Menos é mais e mais é menos? Ou será que o tumultuado mundo de hoje não é mais bem retratado pelo caos spikeliano?
Para terminar: as chances de Destacamento Blood no Oscar existem, mas vão depender de até que ponto o aspecto político vai influenciar. A Destacamento Blood falta a coesão e a contundência dos melhores trabalhos de Spike Lee. Por outro lado, o longa confirma a posição de Spike Lee como um dos cineastas mais engajados politicamente e que não precisa de muitas "alegorias" para mostrar o que pensa.
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