Desde Minha vida de cachorro (1986), de Lasse Hallström, o cinema sueco não renovava tanto. Desde que o menino Ingemar entalou o pênis numa garrafa e ficou orfão não víamos outro menino sueco passar por peripécias tão angustiantes. Agora é a vez de Oskar, menino perseguido por colegas da escola que ganha uma nova vizinha no prédio onde mora. Falo do filme Deixa ela entrar, de Tomas Alfredson.
Mas como assim? Renovar é algo difícil hoje em dia. E como falar em renovação num filme com uma profusão de citações, referências e intertextos? Onde está a renovação se cada cena de Deixa ela entrar nos remete a Martin (1978, de George Romero) e a Near Dark (Quando chega a escuridão, 1987, de Kathryn Bigelow), para citar apenas dois? Tudo bem, então. Deixa ela entrar (2008) não renova nada, apenas impressiona. E como.
Para começar, é impressionante a musicalidade deste idioma, o sueco, o modo como ele reverbera em nossos tímpanos já cansados de tanto português e inglês. Passar duas horas ouvindo sueco é algo definitivamente impressionante (e renovador).
Em segundo lugar, em que filme um ser humano é pendurado de ponta cabeça numa árvore e tem a jugular cortada como um porco e o sangue coletado num frasco com a ajuda de um funil? Se isso não é renovador, então pelo menos é impressionante.
Em terceiro lugar, que filme é vendido como terror, mas no fundo tem como tema a amizade ou o amor como queiram? Sem falar nos temas básicos de filmes de vampiros: dependência, instinto, imortalidade.
Fome de viver é o que não falta para Eli (Lina Leandersson), a nova inquilina do prédio de Oskar (Kare Hedebrant). O guri é filho de pais separados e mora com a mãe. Na escola, é maltratado e humilhado por um trio de colegas. Em vez de revidar, Oskar sofre enxovalhos e se cala. Em linha reta continua sua trajetória até que conhece Eli, e seu mundo vira ao avesso. Poderoso vínculo de amizade os une, que evolui para um namoro impúbere e puro.
E em que consiste uma amizade senão em aceitar o amigo como ele é? Em que consiste um namoro senão estar sempre presente para o que der e vier?
A primordial qualidade de Deixa ela entrar é contar uma história de modo simples e eficiente. Terror? Depende do ponto de vista. Para mim, é uma bela história de amor. E de como o amor tem um ciclo de ápice e extinção. Para se renovar outra vez.
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