segunda-feira, agosto 29, 2022

Não! Não olhe!


 
Jordan Peele é o mais estranho caso do cinema autoral da atualidade.

A sua voraz paixão por contos do escarro e do bizarro é avassaladora, seu interesse por investigar os meandros sombrios da alma humana e do universo é irrefreável.

Logo na estreia, chegou, chegando.

O acachapante Corra! tem um dos roteiros mais criativos e funcionais do século. Misto de ficção científica aterradora com terror psicológico, o filme tem desdobramentos que dão calafrios na espinha.  

Em Nós, um perturbador estudo sobre a dualidade, Peele busca um amadurecimento narrativo, escancarando no processo tendências de estilização e exageros formais. Embora em alguns momentos esses excessos soem um tanto farfetched, ainda assim, é um filme sem concessões e bem acima da média.

O que nos conduz a Nope, que no Brasil ganhou o inventivo título Não! Não olhe! O terceiro longa-metragem de Jordan Peele, que em Portugal manteve o título original e foi resenhado por Cátia Santos no site Cinema Sétima Arte, só comprova a nossa afirmação inicial.


O mestre das estranhezas e das bizzarrices desta vez foca suas lentes não no sobrenatural (Nós) nem na perversidade humana (Corra!), mas noutro, talvez mais prosaico, tipo de visita, que nos remete a clássicos como O dia em que a Terra parou Contatos imediatos do terceiro grau, de Spielberg.

O diferencial de Peele é transformar o que poderia ser um filme trivial em uma aula de cinema, com cenas de uma plasticidade irresistível.


Em Nope, a fenomenal avidez por citações (do banho de sangue na casa que lembra Amytiville às entranhas de uma assustadora Viagem fantástica, para citar apenas duas) anda lado a lado com a iconicidade por trás dos motivos dos protagonistas.

O mais importante no filme é fazer o registro.

Documentar.

Ter a prova.

Com fotos estáticas ou "fotos em movimento", os fantásticos acontecimentos do rancho Haywood precisam ser fixados em rolo ou em forma digital.




A história paralela, em que um chimpanzé participante de um sitcom tem o seu dia de fúria diante das câmeras, serve como elemento adicional para compor o suspense, mas qual a relação com o tema principal? Por que está no filme? Preciosismo? Ou exerce uma função? Talvez subliminarmente uma crítica ao uso de animais em filmagens? 

É o ganha-pão da família Haywood, que treina cavalos para participarem de filmes. A minha intuição é que a história vem como um bônus, um "plus a mais", um recorte extra na mente doentia de alguém obcecado por sangue, pelo inusitado, pelo que nos causa medo e pavor.

O foco é a relação entre os irmãos Emerald e O. J., que, após a inacreditável morte do pai, têm que manter a viabilidade financeira do rancho. Sim, no frigir dos ovos, Nope é sobre os laços fraternos, sobre um irmão que ajuda a irmã e vice-versa, em prol de um objetivo comum.

 


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