Estamos apenas em julho, mas Carazinho, mesmo encravada no coração do Planalto Médio gaúcho, já recebeu três grandes shows no ano.No primeiro, o SESC trouxe a Carazinho uma cantora internacional, J. J. Thames, a diva do blues. Esse primeiro show foi antes das enchentes de maio, e os outros dois foram após os trágicos eventos dos quais o povo gaúcho tenta, aos poucos, se recuperar.
O segundo show celebrou a trajetória da banda mais importante do pop rock, a banda que em dez anos de carreira passou por todas as fases possíveis e imagináveis, os Beatles, fielmente encarnados pela banda cover Star Beatles.
O terceiro show, com a banda gaúcha Rock de Galpão e sua potente mescla de nativismo com rock, é simbólico sobre como o RS tenta se recompor buscando forças em suas raízes e no amor pelo torrão natal.
Este post traz o registro fotográfico de cada um desses grandes shows com uma breve resenha sobre a experiência.
J. J. THAMES: 10 de abril, quarta-feira
O show começa sem a presença da vocalista principal. O consumado guitarrista Alexandre França e sua afinada banda introduz a plateia ao tema e aquece o público, aumentando a sensação de espera e expectativa. Até que a Diva do Blues entra em cena para o delírio do público presente.
Mostrando um repertório que mistura clássicos do blues com canções próprias, a americana arrebentou no palco do SESC ao embalo do suingue do guitarrista Alexandre França e seus comparsas. Inusitadamente um grupo de crianças locais na primeira fileira da plateia baixa criou um "fã-clube" improvisado, mostrando à cantora mensagens no celular que diziam "YOU ARE THE BEST SINGER". Com um apoio desses, a cantora se sentiu cada vez mais à vontade para soltar as cordas vocais e dar uma aula do ritmo que deu origem ao rock & roll.
Diga-se de passagem, o terceiro show de que vamos falar teve em seu final uma inusitada referência ao blues, mas não vamos colocar a carroça na frente dos bois.
Um dos destaques do show de J. J. Thames é a canção de sua própria lavra, "Woman Scorned", que, ao ser contextualizada, pareceu ganhar ainda mais força com sua mensagem de resistência.
O show guardou para o final uma surpresinha extra: como bis, a imortal balada do Radiohead, "Creep".
STAR BEATLES: 23 de junho, domingo
A banda formada por dois argentinos (Francisco John Lennon Desalvo e Nino Paul McCartney Zalazar) e dois mexicanos (Dany George Harrison Torres e Efren Ringo Starr Herrera) fez uma homenagem empolgante e divertida aos Beatles, com uma desenvoltura de quem conhece muito sobre o assunto.
A escolha das canções, em especial, mostrou apuro e cuidado, com um setlist arrasador. Desde o clássico dos tempos do Cavern, "Some Other Guy", até a canção finalizada ano passado, "Now And Then", passando por covers da época das temporadas de Hamburgo, como "Besame Mucho" e "Roll Over Beethoven", o Star Beatles desfilou uma coleção de melodias e letras imortalizadas na cultura universal.
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O George Harrison latino entoa "Roll Over Beethoven", o clássico de Chuck Berry também gravado pela Electric Light Orchestra |
É difícil de conceber como uma só banda compôs canções tão simples e ao mesmo tempo tão diferentes e tão ricas, com suas variações de pontes, contrastes (middle-eights), refrões grudentos, iê-iê-iês, psicodelismos, riffs de harmônica...
Entre uma troca de figurino e outro, a banda saía enquanto um deles ficava para fazer uma canção solo. Nessa categoria entraram "Yesterday" e "Blackbird" (na voz do McCartney portenho) e "Something" (com o Harrison mexicano).
Não faltaram preferidas do público como "Hey Jude" e até uma da carreira solo de Lennon, "Imagine".
No fim deste post, você pode ter uma "palhinha" do que foi o show do Star Beatles, tanto em termos de qualidade musical quanto de atualização do repertório. No palco do SESC/Carazinho, o quarteto fez uma tocante interpretação da novíssima "Now and Then".
ROCK DE GALPÃO: 05 de julho, sexta-feira
A densidade sonora da banda formada pelo vocalista Tiago Ferraz e companhia é algo digno de nota. O Kongos (banda sul-africana que também tem um acordeonista) gaúcho traz uma revigorante mistura de sonoridades, aplicando a roupagem de rock a canções clássicas do cancioneiro gaúcho.
O respeito ao que melhor o RS produziu em letra e música é celebrado em arranjos modernos e surpreendentes para canções imortais.
A banda que não se apresentava há dois meses voltou aos palcos em Carazinho.
Uma canção nova, "Boina e alpargata", musicalização de um poema de Luiz Coronel, foi tocada em primeira mão ao público agradecido pela oportunidade e honra.
O vocalista mostrou grande domínio de palco, conseguindo a proeza de descontrair o público que parecia estar imobilizado pelo frio.
A riqueza do léxico gaudério é um tópico merecedor de estudo, mas um gaúcho comentar isso pode soar, digamos, querer puxar a brasa para o nosso assado. O fato é que essa riqueza de expressões locais e regionalismos dá ao folk do Rock de Galpão o seu diferencial.
O que o Pogues fez com a música tradicional irlandesa nos anos 80, o Rock de Galpão faz há quinze anos aqui em nossas plagas distantes, talvez ainda com menos reconhecimento do que merece.
Perto do final, o tecladista protagonizou um "duelo" com o gaiteiro, em uma salutar disputa entre blues e nativismo que nos remete a um desafio ao melhor estilo de "Trova" (Kleiton e Kledir).
Antes disso, a entrega vocal de Tiago Ferraz em "Entrando no M'Bororé", entoando versos surpreendentes como "E uma perdiz se degola no último fio do alambrado", é só um exemplo dos muitos pontos altos de um show que merecia casa cheia. Frio ou faltou divulgação? A minha parte eu fiz, e a banda com certeza fez a parte dela, como bem explicita o setlist raiz:
O SHOW NÃO PODE PARAR: A importância de um bom roadie
Dos três shows, o único que não teve problema na bateria foi o do Rock de Galpão. Isso demonstra o quanto é importante um roadie atento e precavido. No show de J. J. Thames, o baterista teve que enfrentar um problema no suporte de uma das caixas. No show do Star Beatles, o baterista cantava "With a Little Help of My Friends" (por sinal, com um vozeirão mais límpido que o de Ringo Starr) quando o seu microfone começou a falhar. Diga-se de passagem, nas duas ocasiões, as respectivas bandas ignoraram os problemas e seguiram em frente, com os técnicos resolvendo depois.
O espírito é este: "O show não pode parar".
Vida longa ao blues, ao rock & roll e ao nativismo em suas diferentes manifestações.
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"NOW AND THEN" AO VIVO EM CARAZINHO
Conforme prometido, para fechar o post, um vídeo em que Francisco Desalvo e o Star Beatles cantam "Now And Then" e no meio da canção mandam um recadinho a John Lennon: