domingo, novembro 03, 2024

Druk: mais uma rodada

 


Um filme dinamarquês em uma tarde dominical, o que mais eu posso esperar próximo da felicidade?

Claro, o fato de ele ter sido o vencedor do Oscar de Melhor Filme Internacional é um mero detalhe se levarmos em conta as emoções que o filme me proporcionou.

O nível de quanto um espectador se envolve com um filme vai depender de vários fatores.

Das experiências que a pessoa teve, de como o filme faz esse balanço entre a história contada e o dia a dia do indivíduo em questão.

À superfície, não tenho motivos para me identificar com o protagonista, um professor de Ensino Médio com a carreira estagnada, que dá aulas sofríveis, e tem como única válvula de escape os encontros com os três amigos e colegas de profissão (e de escola).

A gota d'água é quando a turma reclama à direção sobre a falta de empenho do professor, que confunde os tópicos e divaga durante as aulas.

Martin busca o refúgio em um singelo jantar com seus três camaradas, evento que vai mudar o rumo dessa história - e da vida do próprio Martin.


Os quatro cultivam uma relação divertida, embora com influências mútuas um tanto perigosas, principalmente quando o quarteto resolve testar uma tese.

Todos nascemos com um déficit de nível alcóolico prejudicial ao nosso desempenho, e a melhor versão de nós mesmos só é atingida quando esse nível é alcançado e mantido.

À medida que o experimento vai evoluindo, com o álcool diminuindo a ansiedade e deixando a imaginação aflorar, as aulas de Martin (Mads Mikkelsen) e de seus colegas professores melhoram substancialmente, inclusive a do professor de educação física, que tenta estimular o aluno apelidado de "Oclinhos" a ir bem no futebol.




Mas o filme é então sobre etilismo e a redenção de um professor, um misto de To Sir With Love com Farrapo humano?

Ledo engano.

Aí que está o truque de nosso insidioso diretor Thomas Vinterberg.

Nunca, jamais, confie em um diretor escandinavo, ou pior, dinamarquês, que na verdade nem é da Escandinávia, mas todo mundo vive confundindo.

A Dinamarca fica no extremo norte do continente, espécie de nariz da Europa, terra da Lego e terra em que não existe arrendamento. Só produz quem é dono, e só pode ser dono, quem quiser produzir. Isso que eu chamo de povo porreta.

No Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, a Dinamarca tem 

55 submissões, 

12 indicações e 

3 Oscars:

o glorioso, forte, inesquecível e sempre merecedor de uma revisita,

A festa de Babette (Gabriel Axel)

e o épico    

Pelle, o conquistador (Bille August),

dois filmes da década de 1980, e 

agora este nosso adorado DRUK.

A propósito, existe o intertexto entre Druk e A festa de Babette

O filme de Gabriel Axel sobre uma chef de restaurante que vai se refugiar num vilarejo remoto serve como estudo sobre o desprendimento, que "da vida nada se leva", mas também aborda alguns temas afins a Druk: a dualidade entre o sóbrio e o ébrio, a contenção e a descontração, a estagnação e a vida pulsando nas veias.

Como eu disse, nunca confie em um diretor dinamarquês, você pensa que a história é sobre isso, mas é sobre aquilo, ou não é apenas sobre isso, é sobre isto e aquilo.

No caso, Anika.

Maria Bonnevie interpreta a esposa de Martin.

Mãe de dois filhos, um adolescente, um pré-adolescente, ela é o fator principal do filme. Sim, o filme é sobre Anika.

Thomas Vinterberg faz um filme para falar de um personagem que mal aparece, está em apenas duas ou três cenas, mas o filme é sobre ela.

Sobre como Martin deixou de prestar atenção nela.

Sobre como Martin permitiu que ela se distanciasse.

Martin, Martin, onde você estava com a cabeça?

É a mãe de seus filhos, Martin.

Haverá tempo para Martin resgatar sua vida, o amor pela profissão, o amor por Anika, o amor por si mesmo?



É que o Thomas Vinterberg tenta nos responder em Druk, e não vou contar mais nada, além de uma confissão. 

Uma lágrima escorreu em meu rosto na última cena.


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