segunda-feira, fevereiro 27, 2017

Oscar 2017: um final inusitado


Quem assistiu ao Oscar 2017 foi brindado com um final inusitado.

La la land havia abiscoitado os Oscars de Melhor Design de Produção, Melhor Fotografia, Melhor Trilha Sonora, Melhor Canção (City of Stars), Melhor Diretor e Melhor Atriz.

Quando Faye Dunaway e Warren Beatty se aproximaram dos microfones, o antes favorito passou a ser favoritaço. Favas contadas. Era óbvio que La la land receberia a estatueta de Melhor Filme.  

Ledo engano!

Desde sempre, surpreender é a regra na Academia, e a estratégia de aumentar as indicações para Melhor Filme apenas reforçou a possibilidade dessa, digamos, “tendência” recente na história do Oscar de “descolar” a premiação de Melhor Diretor e Melhor Filme.

O pungente drama Moonlight acabou sendo o vencedor.

Mas o modo como isso aconteceu foi nada menos que extraordinário.



A dupla que em 1967 protagonizou Bonnie e Clyde: uma rajada de balas apresentou, um por um, os indicados.

A honra de abrir o envelope coube a Beatty, que, ao olhar o conteúdo, pareceu hesitar.

O suspense aumentou ainda mais. Seria algo combinado, uma brincadeira?

O diretor de Reds mostra então o que está escrito para a atriz de Rede de intrigas.

A diva Faye Dunaway não pestaneja e lê:

“La la land”.

(Detalhe: ela não cita os nomes dos produtores como é de costume neste prêmio.)

Tudo foi muito rápido e esquisito.

Os produtores e realizadores de La la land incontinenti se levantam sorridentes e sobem ao palco.

Começam a discursar.

Até que...

Algo inusitado aconteceu.

Em meio aos discursos, uma movimentação estranha começou a acontecer no palco.

Até que...

O próprio produtor de La la land, o primeiro que havia discursado, avisa que houve um engano e mostra para as câmeras o cartão certo: Moonlight, agora, sim, seguido dos nomes dos produtores do filme.
Em seguida, desenxabido, Warren Beatty esclarece que, um pouco antes, ele não havia tentado ser engraçado, mas sim havia percebido que o conteúdo do envelope estava errado. Dizia

"Emma Stone, La la land".

Portanto, era o envelope de Melhor Atriz, e não o de Melhor Filme.

A equipe de La la land sai do palco em estado de choque, estupefata.

Os produtores de Moonlight, por sua vez, não cabem em si de contentamento, não acreditam naquela reversão completa das expectativas.

De modo inusitadoMoonlight termina a noite com três Oscars: Melhor Ator Coadjuvante, Melhor Roteiro Adaptado e Melhor Filme.


Momento histórico: o produtor Jordan Horowitz, de La la land,
pega a cédula das mãos de Warren Beatty e mostra para o mundo o verdadeiro vencedor.

domingo, fevereiro 26, 2017

Bill Paxton, diretor


Há algumas semanas, no post sobre Até o último homem, de Mel Gibson, toquei no assunto de atores que se arriscam na direção. É um tópico apaixonante, entre outros motivos, pela análise das influências apresentadas; na “incorporação”, pelos atores, do método de trabalho dos diretores com quem trabalharam. Por exemplo: os filmes de Clint Eastwood não negam as influências de Sérgio Leone, o criador do faroeste spaghetti, e de Don Siegel, o especialista em policiais da série Dirty Harry.
E por onde passam as influências de Bill Paxton, o diretor? De James Cameron, Paxton pegou o apelo pop, o faro pela história certa. Do amadurecido Sam Raimi de Um plano simples, a cadência adequada a um suspense. De Kathryn Bigelow, o gosto pelo gótico. Mas quando à experiência com bons diretores soma-se uma "queda" natural para a coisa, tudo fica mais fácil. Parece ter sido o caso de Bill Paxton.
Um dos grandes méritos de um diretor é saber escolher um bom roteiro. Foi esse o caso da estreia de Paxton atrás das câmeras, em A mão do diabo.
Tudo tranquilo na vida de Fenton Meikes. Mora com o pai e o irmão três anos mais novo, Adam, em uma pequena cidade do Texas. A casa é perto de um belo jardim. A escola é boa, o pai tem um bom emprego: mecânico na cidade vizinha. O pai é afetuoso, compensa a falta da mãe. Tudo parece tranquilo. E o leitor também pode ficar tranquilo: não vou contar mais nada. A não ser que a uma certa altura, a tranquilidade será substituída pela instabilidade, a certeza pela dúvida, a força pela fragilidade. A propósito: o título original, escolhido pelo roteirista Brent Hanley, é Frailty. Fragilidade, fraqueza, debilidade, facilidade em faltar a seu dever. Instabilidade.
Este conto moderno de suspense gótico nos lembra que vivemos em um pálido ponto azul, onde a harmonia, a natureza, a informação, a paz e as relações familiares estão sob a égide da fragilidade. Longe de ser frágil é a interpretação de Bill Paxton. Como o chefe da famí­lia, o experiente ator, que participou do clássico dark Quando chega a escuridão (direção de Kathryn Bigelow), do suspense Um plano simples (Sam Raimi) e uma penca de filmes com James Cameron (Titanic, True Lies, Aliens), realiza um trabalho consistente e seguro. Powers Boothe, como o detetive do FBI que investiga o caso do assassino da "Mão de Deus", e Matthew McConaughey, como o misterioso homem que diz saber a identidade do assassino, não decepcionam. Fechando o elenco principal, uma boa promessa: Matt O'Leary, que interpreta Fenton na infância. A história é contada sob o seu ponto de vista, o ponto de vista de um menino encurralado, que só pensa em fugir – mas não tem para onde.

 Para os fãs de ficção científica, Bill Paxton será sempre lembrado como o irônico soldado Hudson de Aliens. Mas não custa lembrar que o prolífico ator também deu seus pitacos na direção. Por duas vezes, arriscou-se atrás das câmeras: depois de A mão do diabo (2001), ele realizou o elogiado drama esportivo O melhor jogo da história (2005), sobre o universo do golfe.


Vampiros: uma revisão


O vampirismo tem sido abordado em seus mais diferentes aspectos no cinema.

De ensaios sisudos como Nosferatu ao humor de From Dusk Till Dawn, do fundamentalismo de Drácula de Bram Stoker às inovações temáticas de Blade, é raro o ano em que não surgem novos filmes sobre as sedentas criaturas.

Bem, a questão que eu quero colocar é: para você, quais são os melhores filmes sobre o universo transilvânico? Não vale consultar o Google nem o guia de filmes mais próximo. Com base apenas em seu feeling vampiresco.

Sem me importar com cronologia e escrevendo à medida que vou lembrando, continuaria esta lista com
Fome de viver, de Tony Scott, com David Bowie e Catherine Deneuve, mais para o estilo horror existencial do que para a ação.

Ação e diversão não faltam no teen-vampires-movie 
Os garotos perdidos, de Joel Schumacher, com Kiefer Sutherland como o líder de um grupo de vampiros que atormenta uma cidade pequena.

Pelas cidades pequenas, também, peregrina uma esquisita galera de vampiros em
Quando chega a escuridão, da Kathryn Bigelow, verdadeiro cult de baixo orçamento. Bill Paxton protagoniza a cena memorável da espora na jugular.



Jugulares es
trashalhadas abundam em Vampiros de John Carpenter. O cineasta de tantos filmes de terror deixou sua marca fazendo um filme sem o mínimo pudor e sem se preocupar em agradar a ninguém.


Approach diferente é o de Entrevista com o vampiro, onde Neil Jordan procura investigar os desígnios e as motivações dos seres obscuros:
o destaque fica para Kirsten Dunst, a menina da covinha na face.

Para uma cova maior vão as vítimas de Chris Sarandon em
A hora do espanto.

Ousadias conceituais pululam em Stake Land, que fez sucesso no Fantaspoa de 2013.


Uma desconcertante inovação nórdica marca presença no surpreendente Deixa ela entrar e o respectivo remake estadunidense Deixe-me entrar.

Martin, de George Romero, arrisca uma variação introspectiva sobre o tema.

No quesito vampiras lésbicas, Filhas das trevas é imbatível.

Vampiros 3-D? Que tal o estapafúrdio, mas divertido Abraham Lincoln, caçador de vampiros?


Last but not least, os filmes da franquia Hotel Transilvânia contribuem, à sua maneira, para que todos mantenham os caninos afiados.

Boas mordidas a todos.

Este post é dedicado à memória do ator Bill Paxton.

A grande muralha

Zhang Yimou, o diretor dos dramas Lanternas vermelhas (1991) e O caminho para casa (1999), em 2002 surpreendeu a todos com o épico Herói, que iniciou sua elogiada "trilogia wuxia", completada com O clã das adagas voadoras (2004) e A maldição da flor dourada (2006). Nessa famosa trilogia, não há continuidade entre uma história e outra. Convencionou-se chamar de trilogia porque são os três filmes em que Zhang Yimou explorou o universo das artes marciais, com cenas de força e plasticidade incomparáveis.

Com A grande muralha, Yimou retoma a paixão por armas e lutas e revela o seu talento para um público mais amplo. Sempre que um cineasta resolve entrar no "modo Hollywood" precisa fazer concessões. A questão é: no processo ele consegue manter as qualidades que o alçaram ao topo da muralha?

A resposta é "não" se sua vontade de espinafrar embota a capacidade de inter-relacionar e perceber nuances, se você jurou de pés juntos jamais relevar quaisquer fragilidades do roteiro, enfim, se você já se esqueceu de como é divertido ir ao cinema para curtir uma pipoca com a família.

A resposta é "sim", se você reconhecer que A grande muralha renova muitos elementos da trilogia, como o uso da percussão e a habilidade no manuseio das armas, com o acréscimo do uso eficaz do 3-D. E quem conhece a obra de Yimou também percebe a sua obsessão por amores platônicos (vide A árvore do amor) na mútua admiração entre a general Lin Mae (Jing Tian) e o mercenário William (preciso mesmo dizer quem é o ator?).

Do ponto de vista sociocultural, A grande muralha tem a qualidade de transpor a barreira entre Ocidente e Oriente. Salas de cinema ocidentais vão abarrotar para assistir ao filme. A tensão e o fascínio entre Oriente e Ocidente são metaforicamente mostrados na bonita relação de William e Lin Mae.

Os dois passam o tempo inteiro identificando as mútuas diferenças e semelhanças.

Essa metáfora quase imperceptível salva o filme de ser raso. O flerte Ocidente x Oriente é mostrado com um prisma otimista e serve de pavio aceso para debates filosóficos.

No fim das contas, perceber diferenças ou semelhanças, enfatizar a crítica ou o elogio: tudo depende do olhar.



domingo, fevereiro 19, 2017

A qualquer custo

O escocês David Mackenzie faz de A qualquer custo um exemplo consumado de minimalismo e economia. Só para ilustrar essa afirmação, analise os créditos finais. A câmera vai baixando e é repousada ao nível do solo. O espectador vai saindo (ou continua sentado) com a relva dominando a tela. Quer algo mais prosaico e orgânico do que grama? E tudo isso foi realizado sem frescura. A câmera desceu e pronto. Ali estacionou enquanto a plateia se perguntava: qual é o diferencial deste filme? O que o torna um "neowestern" tão badalado e apreciado?


Certamente, humor não é. A rigor, apenas uma cena de alívio cômico. Aquela da surpreendente pergunta da surpreendente garçonete. O roteiro de Taylor Sheridan (que escreveu Sicario: terra de ninguém, dirigido por Dennis Villeneuve) não é obcecado em ser "original", inclusive tem um policial prestes a se aposentar. E ainda por cima, Marcus Hamilton (encarnado por Jeff Bridges) tem como colega de patrulha Alberto Parker (Gil Birmingham), de etnia indígena. Quer dois clichês mais clichês do que esses? Perseguições alucinantes, também não. A direção é discreta, pausada. Tiroteios mirabolantes, idem. Tudo é coreografado sem excessos. No ritmo da vidinha do interior do Texas.

Talvez o diferencial de A qualquer custo seja justamente este: talvez as pessoas estejam saturadas pelo excesso, cansadas de tanta parafernália técnica. David Mackenzie tenta manter o seu filme "low-profile" a qualquer custo. A ênfase não é na ação propriamente dita, mas sim nas motivações dos irmãos Toby (Chris Pine) e Tanner (Ben Foster). A qualquer custo, e abalados com a morte da mãe, os dois resolvem pagar a hipoteca da fazenda. A qualquer custo, resolvem fortalecer os laços fraternos, essa força estranha que une pessoas com personalidades tão distintas, mas que aos olhos de muita gente são "farinha do mesmo saco" ou "vinho da mesma pipa".

Talvez o diferencial do filme seja a sua honestidade.

sábado, fevereiro 18, 2017

Lego Batman

Lego Batman é legal. Sim. Tentei, por vários dias, estruturar um texto sobre o assunto. Um post com introdução, desenvolvimento, conclusão. Um texto com cabeça, tronco e membros. Mas não consegui. As ideias não fluíram. Então, sabe duma coisa? Resolvi improvisar. Escrever um post como o The Cure fazia seus discos ao vivo. No overdubs. 

Lego Batman é legal. Os personagens têm garras no lugar das mãos, e no momento em que você aceita isso, tudo começa a fazer sentido. O roteiro realça a importância de se sentir importante na vida de alguém. O Coringa quer apenas isso: reconhecimento. Pobre Coringa. E encontra em Batman um rival sem coração, com sérios problemas psicológicos. Todos sabem o motivo. Ele não conseguiu superar os traumas da infância. Pobre Batman.

 Da tensão entre esses dois personagens sequelados surge Lego Batman. Um filme legalzão para levar a família no IMAX. Porque une duas coisas legais. Lego é legal. Batman é legal. Lego Batman é duplamente legal porque recheia o roteiro com um rol de referências que faz qualquer cinéfilo rir à toa. Eu captei uma que remete ao filme Sangue Negro. 

Batman imita a fala que foi de Daniel Day Lewis sobre ninguém ensiná-lo a criar o próprio filho. E tem muitas outras (e de agora em diante o post deixa de ser improvisado e conta com as informações do site What Culture) como MacGuffin Airlines (macguffin é o termo hitchcockiano para elemento motivador do roteiro), o verso de Man in the Mirror de Michael Jackson, a fala You complete me de Jerry Mcguire (proferida por Jerry e também pelo Coringa em The Dark Knight), a expressão Gleaming the cube (título de um filme sobre skates com Christian Slater), a presença dos Gremlins, etc.
Tantas citações contribuem para que o espectador saia do cinema achando: Lego Batman é legal!


terça-feira, fevereiro 14, 2017

Um carpinteiro em Marte


            John Carpenter não é um cineasta. Tal denominação cai melhor para um David Lean, um Steven Spielberg, um William Wyler. Pessoas acostumadas com orçamentos épicos e elencos grandiosos.
            Este especialista em suspense é também especialista em driblar os baixos orçamentos com imaginação e um instinto natural para o grotesco. Desde o início da carreira, emplacou pequenos clássicos do terror, como Halloween (1978) e Christine (1983). Também inovou nos policiais, vide a violência e a fotografia sombrias de Assalto à 13º DP (1976).
            Pelo modo com que faz seus filmes, o diretor John Carpenter mais se assemelha a um humilde carpinteiro. Na sua oficina, recebe a matéria-prima de um novo trabalho. Um roteiro simples de ação ou suspense. Abre seu armário de ferramentas. Hora de lançar mão de seu arsenal. Atores pouco conhecidos, alguns beirando a canastrice. Efeitos especiais suspeitos, entre o econômico e o podreira.  Uma pitada de humor negro. E muito sangue.
            O resultado sempre tem a sua marca registrada. Um dos motivos é a música de sua autoria. Do piano sinistro de Halloween ao rock pesado de Fantasmas de Marte, Carpenter não abre mão de fazer a música de seus filmes.
            Nem sempre, porém, o produto sai bem acabado. É o caso de Fantasmas de Marte (2001). O filme oscila entre o suspense, a sátira e a paródia. O enredo, alegadamente inspirado no faroeste Onde começa o inferno, de Howard Hawks, passa-se em Marte no ano de 2176. Os terráqueos têm colônias no planeta vermelho. E onde há humanos, há mocinhos e bandidos.
            Quem conta a história é a tenente Melanie (Natasha Henstridge), em flashbacks que satirizam a onda de filmes contados de trás para frente. Ela é a oficial de uma missão especial. Com a ajuda da comandante, um experiente sargento e dois recrutas, viajam de trem até uma estação para fazer a transferência de um perigoso facínora, codinome Desolation (Ice Cube).
            Este é o ponto de partida para uma trama (?) repleta de cabeças decepadas, invasões de corpos, jugulares cortadas e dedos atorados. O que sustenta o filme é justamente a dupla de protagonistas. A possante (e não siliconada) loira Natasha e o mal-encarado Ice Cub fazem funcionar uma parceria improvável – mas quente.

            Subcultura? Pode até ser, mas John Carpenter não está nem aí. Não é um enganador. Entrega ao público o que ele pagou para ver.

domingo, fevereiro 12, 2017

Um lobisomem americano em Londres


 

            Por que certos filmes são marcantes? Por que sobrevivem ao tempo? Rever Um lobisomem americano em Londres, de John Landis, responde plenamente a essas questões.

            Em primeiro lugar, o roteiro é original, dosa humor negro com o mais puro terror. Em segundo lugar, os efeitos são perfeitos e, arrisco dizer, mais realistas que os atuais. A transformação assinada pelo maquiador Rick Baker impressiona até hoje porque é maquiagem pura, sem nada virtual. Terceiro, o elenco é ótimo, um tanto desconhecido na época, hoje, mais desconhecido ainda. Contribui também para tornar o filme imortal a sua duração: uma hora e vinte minutos.


            O ator mais conhecido é Griffin Dunne, que trabalhou com Martin Scorsese em Depois de horas. Ele e seu amigo são dois americanos em férias, perambulando pelo interior da Inglaterra. Chegam num pequeno vilarejo, entram no bar. Um cara erra o arremesso de dardo. Os demais param de conversar e olham para eles. Sinistro. Pedem algo para comer, não tem. Então os dois resolvem ir embora, não sem antes ouvir uma recomendação: não saiam da estrada.

            Papeando distraidamente, a dupla, ainda chocada com o modo estranho com que foi tratada, afasta-se do caminho sem notar. A lua está cheia. Um ruído assustador atravessa a noite. Os dois se entreolham, apavorados. Algum animal selvagem? Reparam, tardiamente, que não seguiram o conselho dado na taverna.

            Essa cena de grande poder de tensão e suspense é só a primeira de muitas cenas do mesmo nível ao longo do filme. E quer saber, para não me chamarem de barriga-fria, não vou contar mais nada.

            Só mais uma coisa. Um lobisomem americano em Londres é um filme sem "partes chatas". Nenhuma cena pode ser cortada. Todas cenas são memoráveis. E muitas delas são clássicas, pois, além de bem dirigidas, são surpreendentes e reservam ao espectador um bom susto ou uma boa gargalhada.

            Por isso, quem ainda não viu terá uma grata surpresa. Quem já viu uma vez, tem tudo para revê-lo com prazer. Mesmo para quem já perdeu a conta das vezes que o assistiu, é incrível: continua uma diversão garantida.

Manchester à beira-mar

Manchester à beira-mar pretende ser um contundente estudo sobre uma alma conturbada. O resultado é um pretensioso e acidentado distúrbio fílmico sem alma.
A pessoa mais sensata da plateia foi o senhor de cabelos brancos como neve que se retirou no meio da sessão para não mais retornar.
Quando Lee Chandler (Casey Affleck) põe seu prato de comida no micro-ondas, seleciona 2 minutos e fica olhando o prato girar, confesso que eu tive vontade de imitar o gesto daquele corajoso espectador.
Mas faltou-me sangue nas veias, neutralizado pelo pudor de quem gastou 30 reais, pela teimosia de um cinéfilo otimista que se nega sistemática e peremptoriamente a não pescar algo da experiência.

Assim como não existe um filme completamente sem erros, não há filme completamente ruim. O filme de Kenneth Lonergan tem um certo humor e trechos bem encenados. No início do filme até ensaiei algumas risadas acompanhando as tentativas de Lee Chandler de dialogar com os moradores dos prédios em que ele trabalhava como janitor, uma espécie de zelador, responsável pela manutenção predial, não só das áreas comuns, mas também da parte hidráulica dos apartamentos. Enfim, um faz-tudo. 
Vou citar em especial duas cenas em que Manchester à beira-mar (a propósito, o título do filme vem do balneário Manchester-by-the-sea, perto de Boston) revela qualidades. O adolescente órfão junta um galho no chão e vai passando na grade enquanto caminha, à espera do calor da primavera para enterrar o próprio pai. A ex-mulher que conversa com o ex-marido. Nessas cenas, Lonergan mostra o potencial que o filme tinha para se tornar bom.

Também outros dois detalhes do roteiro merecem ser citados positivamente, a ideia que Lee Chandler tem para comprar o motor novo do barco e a maneira discreta como são mostrados os porta-retratos.
Mas, eis que as poucas cenas eficazes são alternadas com outras cenas que não funcionam, cenas que poderiam (ou deveriam) ser cortadas ou deletadas, e, o que é pior, cenas inapelavelmente manipuladoras.
Particularmente a sequência que mais causou-me asco foi “a” sequência, a chave para a amargura no olhar de Lee Chandler, a explicação para o fardo insuportável que ele carrega.
E por que aquela cena me provocou engulhos?
Pelo simples fato que como trilha sonora alguém escolheu, de modo manipulador, artificial e herético, o hipnótico adágio em Sol menor de Albinoni (ou de Giazotto, vide Who Wrote the Adagio in G Minor: A Musical Mystery) utilizado emblematicamente por Peter Weir em Gallipoli.
A sequência de Weir é um exemplo de como imagem e som combinam-se à perfeição.
A sequência de Lonergan soa falsa e patética. A música sublime apenas realça a fragilidade das imagens.

Pretensiosamente Manchester à beira-mar tenta produzir catarse abordando temas como culpa e perda. Mas quando aparecem os créditos finais, uma parcela dos espectadores (na qual me incluo) suspira de alívio. Saí do cinema sentindo uma ponta de culpa por ter levado a esposa para assistir a um filme que não era do tipo que ela gosta. 
E eu, qual o tipo de filme de que eu gosto? O que me motiva a escrever uma resenha.

quarta-feira, fevereiro 08, 2017

Estrelas além do tempo

Hidden figures é o título original deste filme que lotou a sessão de terça-feira no GNC-Praia de Belas de Porto Alegre. Quem chegou de última hora teve de se contentar com os lugares nas fileiras A e B, leia-se bem na frente, com risco a sofrer um torcicolo. A proximidade com a tela deixa tudo meio esquisito, mas o filme era envolvente o bastante para que esse detalhe se tornasse apenas isso, um detalhe quase irrelevante.


     O filme conta a história das três amigas que trabalham na NASA fazendo e refazendo cálculos. Mas como diz o personagem de Kevin Costner, na conquista espacial, é preciso ir além dos algarismos. Não basta apenas aplicar fórmulas e resolver equações, é preciso utilizar a geometria e todas as ferramentas matemáticas para resolver problemas de ordem prática, em especial, como sair da trajetória elíptica para entrar na trajetória parabólica, a velocidade de reentrada, ou as coordenadas a serem seguidas pelo astronauta John Glen em sua façanha de orbitar a Terra em 1961.
  Hidden figures tem duplo sentido. A escolha da palavra “figures” é proposital e ambígua. O título poderia ser traduzido como "Figuras ocultas" ou como "Números ocultos".
   As “figuras ocultas” são as amigas Katherine, Dorothy e Mary Jackson. Cada uma tem uma história de superação em sua trajetória na NASA.
   A ênfase é em Katherine (Taraji Henson), a menina prodígio que usa óculos e é capaz de resolver as mais complicadas equações com uma tranquilidade e uma precisão fabulosas. Ela vai ser promovida para trabalhar no mesmo setor de Al Harrison (Kevin Costner) e precisará enfrentar a resistência dos colegas, em especial, Paul Stafford (Jim Parsons, do seriado The Big Bang Theory, decisão de casting um tanto controversa).
    Trama paralela é o interesse que a enxuta viúva com 3 filhas desperta no coronel Jim Johnson (Mahershala Ali), recém-chegado na cidade.
     Dorothy (Octavia Spencer) precisa convencer a rigorosa chefe     Vivian (Kirsten Dunst, cuja covinha na face só apareceu uma vez em todo o filme) de sua capacidade para se tornar supervisora e ganhar uma promoção. Para isso, clarividentemente, Dorothy percebe que precisa aprender Fortran, a linguagem de computador, e conseguir programar o novo computador IBM instalado na NASA.
    Por sua vez, a ousada Mary Jackson (Janelle Monáe) encasqueta que vai ser a primeira negra a cursar engenharia no Estado de Virgínia, mas para isso terá que convencer um impassível juiz.
    As três amigas são “estrelas” anônimas que brilham com suprema magnitude, mas que passariam despercebidas do público, e ficariam no anonimato, não fosse o livro de Margot Lee Shetterly (Hidden Figures - The American Dream and the Untold Story of the Black Women Mathematicians Who Helped Win the Space Race) e a boa adaptação fílmica de Theodore Melfi, que mereceu três indicações ao Oscar: Melhor Roteiro Adaptado, Melhor Atriz Coadjuvante (Octavia Spencer) e Melhor Filme.


A sessão abarrotada de Hidden figures é a prova real de uma equação simples que os CEOs das redes de cinema parecem se recusar a entender com clareza:

filme atrativo + ingresso acessível = 
cinema lotado.

sexta-feira, fevereiro 03, 2017

La la land

Eu nunca fui lá muito chegado a musicais. Isso é um fato. Também é fato inegável que minha paixão pelo cinema e o aprofundamento dos interesses, entre eles, a história do Cinema e de prêmios como a Palma de Ouro e o Oscar, levaram-me a adotar outra postura em relação a este "gênero" de filme. Os guarda-chuvas do amor, filme de 1964 dirigido por Jacques Demi, foi um desses marcos na minha história de cinéfilo. Será que cresci, evoluí? O fato é que perdi o preconceito em relação a musicais. Tanto melhor. Seja como for, La la land transcende o para alguns famigerado "gênero". Lá pelas tantas, em La la land, eu simplesmente me esqueci que o filme era um "musical". E há muito tempo eu não saía do cinema em meio a uma comoção tão grande do público. As pessoas estavam com um brilho no olhar, o filme havia lhes tocado, provocado sorrisos, lágrimas, suspiros. Contar a sequência final seria um spoiler, mas há muito tempo um filme não deixa tanto o melhor para o fim quanto La la land. Quando Sebastian (Ryan Gosling) senta ao piano, com Mia (Emma Stone) na plateia, as duas plateias se emudecem. A plateia no filme e a plateia no cinema. As cenas desta sequência remetem a plateia do cinema a um estado de altíssima tensão emotiva, e, ao acender das luzes, é dessa tensão que, paulatinamente, o espectador tenta se recuperar, tentando absorver a catártica carga emocional. O diretor e roteirista Damien Chazelle (o realizador de Whiplash) é o autor da proeza: não é toda hora que vemos filmes desse naipe, que vale a pena rever e comentar.