sábado, abril 27, 2019

O gênio e o louco




Este é um filme sobre palavras. Nada mais apropriado, pois, do que comentar a transformação sofrida pelo título original The Professor and the Madman, que acabou se tornando O gênio e o louco.

Genial é a comissão que deve ter se reunido em um brainstorm de executivos de uma distribuidora de filmes para escolher o título brasileiro. Escolher é a palavra certa. Não é um problema de tradução aqui. Não é "culpa" do tradutor. O tradutor traduz: O professor e o louco. O escolhedor de títulos torce o nariz, tem uma ideia genial e transforma o "professor" num "gênio".

O gênio do filme na verdade é o louco. O professor é um cara que domina muitas línguas, mas não é um "gênio". Seja como for, "O gênio e o louco" é um título bem melhor do que "O professor e o louco".

Diga-se de passagem, os escolhedores de títulos brasileiros são pródigos em melhorar títulos estrangeiros. Vamos citar apenas 3 faroestes clássicos: Os brutos também amam (Shane), Sete homens e um destino (The Magnificent Seven) e Meu ódio será tua herança (The Wild Bunch).

Voltando à vaca fria, vamos ao que interessa: O gênio e o louco. Sob todos os prismas, é um filme imperdível para quem gosta de palavras. Afinal de contas, é a história de como se originou o dicionário Oxford! O esforço descomunal de uma equipe vasta de filólogos e linguistas, liderada pelo "professor" (Mel Gibson), buscando a etimologia das palavras e a evolução delas ao longo do tempo, com citações na literatura. Um trabalho hercúleo realizado ao longo de décadas, contando com a ajuda de abnegados voluntários.

Aí que entra o personagem de Sean Penn, o "louco". Preso por ter cometido um assassinato durante um surto psicótico, recebe um livro de presente no hospício e nele está um chamado para voluntários colaborarem na confecção do dicionário.



O filme baseia-se numa história real contada no livro de Simon Winchester, sobre a amizade entre James Murray (no filme, interpretado por Mel Gibson), o chefe da equipe responsável por fazer o dicionário, e W. C. Minor, o cirurgião que, alienado da sociedade, com sua capacidade de trabalho e sensibilidade, se redime colaborando na confecção de inúmeros verbetes e lexemas do dicionário. Essa personagem contraditória e repleta de culpa, bondade, genialidade e loucura é estupendamente encarnada por Sean Penn.

Coube a direção a Farhad Safinia, o iraniano-americano que roteirizou Apocalypto (2006), o filme dirigido por Mel Gibson. Safinia (que costumava utilizar o pseudônimo P. B. Shemran)  já havia colaborado com o ator/diretor australiano em A paixão de Cristo. 

Não é preciso ser um gênio para concluir que existe um vínculo Gibson-Safinia, uma afinidade, uma amizade, talvez da mesma espécie da existente entre o Dr. James Murray e o cirurgião W. C. Minor, uma compatibilidade intelectual, digamos assim, que evoluiu para a formação de laços e colaborações duradouras. Safinia nasceu em Teerã, no Irã, e migrou com a família para a Paris, depois Londres. Curiosamente, outro filme digno de nota que assisti neste mês foi de outro nascido em Teerã, Ali Abbasi, o diretor do ousado Border.

Apesar do imbróglio na produção, O gênio e o louco chegou às telas bem-acabado e construído.
O tema principal do filme é fascinante para quem gosta de palavras, e mais ainda para escritores, tradutores, revisores e afins, que vivem às voltas com dicionários, a semântica, a etimologia. As palavras, enfim. 

Os subtemas são múltiplos, e incluem culpa, amizade, perdão, amor, etc. O gênio e o louco é a oportunidade de ver dois atores experientes entregando performances primorosas. Gibson, na pele (e barba) do contido James, é o coadjuvante ideal para que Penn encarne o hirsutíssimo William com uma potência raramente vista nas telas.

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