E autodestruição em A substância não é metáfora, é o retrato literal do que acontece com uma pessoa insatisfeita com a própria aparência.
O maior barato do filme é como ele mistura gêneros, transitando com muita leveza e desenvoltura da ficção científica ao drama, do horror à comédia...
Influências lynchnianas e aronofskyanas pululam em A substância, filme que é ao mesmo tempo original e uma colagem de muitos outros...
Na sequência final do filme de Coralie Fargeat é inevitável lembrar-se da cena final de Carrie, a estranha.
E isso acontece em muitos e muitos momentos.
A obsessão com a tevê, a solitude e a loucura da personagem de Demi Moore nos remete à assustadora transformação de Ellen Burstyn em Réquiem para um sonho, de Darren Aronofsky. E outra coisa os dois filmes têm em comum: a chaga no braço de Jared Leto parece ter uma ligação direta com a chaga na medula de Demi Moore. Com a diferença que na primeira, a agulha da seringa é inserida para injetar heroína até o braço do herói apodrecer, e na segunda a agulha da seringa penetra insistentemente na medula da heroína para retirar a substância que rejuvenesce, até a chaga por fim também entrar em putrefação.
Por sinal, o body horror é levado ao extremo em A substância, filme em que Dennis Quaid rouba a cena como um produtor asqueroso. Decididamente não é para estômagos fracos, não vá ao cinema nem tente ver em casa se você tem a tendência de se impressionar com cenas chocantes. Para quem gosta de se autodesafiar, são muitas e muitas cenas de degradação física e mental.
O cinema de David Lynch é homenageado em cenas como a conversa no café, e à medida que as coisas começam a dar errado no experimento, o filme nos remete a cults do horror como Freaks, mas nunca a deformação humana foi explorada com tanta sensibilidade quanto em O homem elefante de David Lynch.
A obsessão com a aparência e o porco-chauvinismo são temas de Coralie, mas o filme também satiriza a busca da fama e o patético das almas solitárias.
O que salva A substância de se tornar um pastiche não é apenas o ritmo frenético e a inteligente mescla de gêneros, mas um humor subliminar que aflora muito forte em certos momentos, sempre em forma de crítica social, como nas partes em que o repulsivo personagem de Dennis Quaid está em cena.
Como o nome deste blog poderia ser intertexto, aí vai uma canção do álbum Substance do Joy Division, cujo refrão descreve um pouco a saga de Elizabeth e Sue em A substância.
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