Pensar em cinema iugoslavo é pensar em Emir Kusturica (nascido em Sarajevo) e em Quando papai saiu em viagem de negócios, Palma de Ouro de 1985 em Cannes. O cinema que se fazia na antiga Iugoslávia era denso e ao mesmo tempo bem-humorado; local (ao retratar os costumes, as músicas e as particularidades do povo iugoslavo) e ao mesmo tempo universal (ao retratar sentimentos que podem ser compartilhados por qualquer pessoa do mundo, independentemente da nacionalidade).
Mas se você esteve no planeta Terra nos últimos vinte anos sabe que a Iugoslávia, esta "casa muito dividida" como a National Geographic estampou numa de suas capas, se desmantelou, e se desmantelou da pior maneira possível. Um dos filmes mais interessantes sobre os conflitos da separação é Terra de ninguém (2001), do diretor bósnio Danis Tanovic, que com seu humor negro levou o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro.
Depois de tantas guerras, agora é bola para frente (sem trocadilho), tanto em termos cinematográficos como políticos. Mas a verdade é que o diretor Srdjan Spasojevic e o roteirista Aleksandar Radivojevic chutaram o balde dos limites do razoável. Na sala Paulo Amorim lotada, antes da sessão, uma moça comentou com o namorado: "a sinopse é realmente promissora".
Bem, eis que não vou dar sinopse alguma do filme nem falar de nada das coisas inomináveis que acontecem nele. Em vez disso, vou procurar avaliar o filme pelas reações da plateia.
No começo, lá na fileira bem da frente, depois que deu a vinheta dos Correios, uma moça moderninha gritou tirando sarro: "Viva, é filme de terror!". O clima era de descontração e certo ceticismo sobre o conteúdo (sem trocadilho) da película. O tempo vai passando, as personagens vão se delineando, o roteiro se desencadeando, e as reações variam entre uma curiosidade crescente e certa decepção incipiente. Em alguns diálogos bate certo enfado e o público se mexe inquieto e pensa, puxa, nada acontece neste filme. Eis que o roteiro inclui numa situação inominável uma coisa que não combina de modo algum com situações inomináveis. A partir daí o filme toma um rumo extremamente hardcore. E o clima de desconcentração no cinema muda completamente. Ao ver uma cena de inusitada violência, a plateia emudece. A tensão toma conta dos espectadores, e o silêncio perdura até o fim do filme, interrompido uma ou duas vezes para uma gargalhada (quando o diretor diz que seu filme pulou pela janela) e algumas risadinhas constrangidas. Mas na sequência derradeira o nojo é tanto que, e agora eu trago o testemunho de minhas reações, confesso, cheguei a pensar em sair do cinema. Ou seja, se o objetivo dos realizadores era provocar sensações fortes e quebrar paradigmas do que se pode ou não mostrar/sugerir nas telas de cinema, bem, eles alcançaram plenamente o objetivo.
Falando em nojo e revolta, antes de escrever este texto eu pesquisei sobre o filme e encontrei uma entrevista concedida a David Harley pelos realizadores, no site Bloody Disgusting. O roteirista alega que o filme é uma metáfora sobre a condição de ser transformado em marionete pelo sistema. Abaixo transcrevo um trecho da entrevista (para ler na íntegra, siga o link http://www.bloody-disgusting.com/interview/638). Com a palavra o nada modesto roteirista, que chama as barbaridades gráficas do filme de "arte": "Catharthis through art is something that’s really liked in Serbia these days. Catharthis through really subversive, really strong art; that’s what people need because they’ve been desensitized because of the wars and it’s like they need some kind of cold shower through art to show them what really happened with their lives. The film is an exaggeration of all the problems. We took our own experiences and truths about our government and flowed it into this genre and embedded it with meaning and ferocity."
Na parte sobre o exagero, eu concordo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Seu comentário é bem-vindo!