domingo, outubro 15, 2017

mãe!


Às vezes, é bom ir ao cinema sabendo pouco sobre o filme que vamos ver.

Foi assim que entrei hoje na sessão de mãe!, o mais recente trabalho do diretor Darren Aronofsky.

Basicamente, era essa a informação que eu dispunha. 

Isso que eu sabia de antemão.

Não que isso não seja uma informação valiosa. 

Afinal de contas, eu já estava de certa forma prevenido em relação ao que podia esperar.

Trata-se de um dos últimos rebeldes da indústria, um sujeito que gosta de brincar com fogo, que tem uma predileção bastante inquietante por deixar a plateia "fora da zona de conforto".

Posto isso, tentando evitar os famigerados spoilers, vou tecer algumas argumentações sobre a obra.

Em primeiro lugar, já vou declarar: não há nada de "cool" em mãe!.

Trocando em miúdos, não há uma fala que será repetida por uma legião de cultuadores. 

Não há um momento espirituoso a ser eternamente lembrado. 

Não há uma cena especialmente inesquecível.

Decididamente, à parte o fato de David Lynch também ser considerado um cineasta de difícil, digamos, deglutição, mãe! não está fadado a se tornar um Coração Selvagem da vida.

Se mãe! não tem potencial para se tornar cult, qual é, então, o público-alvo de mãe!?

Absolutamente não é o grande público. 

Se fizessem uma enquete do tipo gostei/não gostei hoje após a sessão, 99% das pessoas cravariam um "não gostei". 

Uma pessoa atrás de mim, quando o filme acabou, e apareceu na tela Written and Directed by Darren Aronofsky, comentou: "Deviam (sic) prender este homem".

Outros gatos pingados abandonaram a sessão antes do final, talvez incomodados com o rótulo de "Suspense" com que o filme está sendo vendido. 

Então, a constatação deveras esquisita: 

mãe! é um filme sem público-alvo!

Por que alguém realiza um filme sem público-alvo?




O público-alvo, por acaso, seriam os supostos fãs do diretor?

Será que ele pensa que tem tantos fãs assim?

Ou será que mãe! é o protótipo de um novo tipo de filme, o antifilme, que se concretiza sem público?

Um antifilme seria apenas a demonstração de poder de uma pessoa. 

É uma espécie de "quero fazer, posso fazer, vou fazer". 

Não quero agradar a ninguém, não quero ser compreendido.

Um ator oscarizado (Javier Bardem). 

Uma atriz oscarizada (Jennifer Lawrence).

Um casal de coadjuvantes de primeira linha (Ed Harris e Michelle Pfeiffer).

Todos se esforçam ao máximo para transmitir verossimilhança ao roteiro intrigante, mas também um tanto exasperante, com pouco ou nenhum alívio cômico. Um roteiro que uma hora parece que vai enveredar por algo meio à Edgar Allan Poe, sem se preocupar depois em amarrar o fio solto?

E o que dizer da pia que não está chumbada? Será que nesse detalhe está a chave de tudo?

Mas deixa para lá, eu havia prometido que tentaria evitar spoilers exagerados. 

Então, acho que o post precisa ser encerrado aqui, prematuramente.

Claro, eu poderia continuar falando sobre este filme durante alguns parágrafos, ou durante horas, com alguém que conheça a trajetória de Aronofsky.

Mas não é minha intenção tecer uma tese, defender um ponto de vista com um texto coerente e demonstrando muito domínio sobre a arte do cinema e a arte de escrever resenhas.

Seria mais algo como um despretensioso intercâmbio de impressões, do tipo:

 "Uma hora eu tive a sensação de que tudo aquilo era uma encenação apenas, uma espécie de plano maquiavélico e mirabolante do marido". 

"É um filme inquietante, me tirou da zona de conforto, mas em nenhum momento me passou verossimilhança".

Ou talvez algo mais intelectual, para impressionar o(a) interlocutor(a), como 

"É um poderoso estudo sobre o egoísmo e a invasão de privacidade do mundo atual". 

Ou coisa do gênero. 

Ao que o(a) interlocutor(a) perspicazmente poderia retrucar: 

"O roteiro é um tanto desconexo, e em certos momentos beira a fronteira entre o pesadelo e um pastiche de uma série de filmes: A casa monstro, O bebê de Rosemary de Polanski e O anjo exterminador de Buñuel."

Enfim.

Será que, desta vez (ou novamente), 

Aronofsky teria exagerado um pouco? 

Não sei afirmar. 

Sei que, por enquanto, não tenho vontade de 

rever mãe!.

Por enquanto.



EXTENDED VERSION


Após publicar este post, continuei minhas pesquisas sobre o filme.

Não recomendo que entrem nestes links se ainda pretendem assistir a mother!

Seria algo como um "engov" para quem está tentando digerir aquelas cenas.


Nesta entrevista, e também nesta, o diretor cita algumas curiosidades sobre a gravação, o talento de Jennifer Lawrence e algumas das alegorias do filme.


Já este artigo demonstra que o público em geral não considerou que o filme preencheu as expectativas que foram vendidas pelo marketing.

A Paramount, que patrocinou o projeto, explica que resolveu bancar o projeto porque o cinema precisa de originalidade, de obras que desafiem e provoquem o público.

Por fim, li algumas críticas bastante negativas e outras bastante positivas, todas bem fundamentadas, e, por incrível que pareça,
de certa forma, consigo entender a argumentação, e concordar parcialmente com as duas polarizações. 

Não se trata de ficar em cima de muro, apenas no caso de mother!, não estou conseguindo me colocar em nenhum desses polos.

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