Esta série de três posts encerra hoje com um filme cuja cena mais forte permaneceu gravada em minhas retinas de cinéfilo precoce. O menino que ia todos os sábados às matinês no Cine Brasília de Carazinho não selecionava. Caiu na rede é peixe.
Se você analisar os três filmes que compõem a série (Pânico na multidão, Orca, a baleia assassina e Selvagens cães de guerra), eles têm em comum várias coisas.
Uma delas é o fato de terem sido desdenhados pela crítica. Foram severamente massacrados com resenhas nada lisonjeiras. Os guias os classificam com cotações inferiores.
Isso não impediu de se entranharem em minhas lembranças cinéfilas mais ternas, de terem provocado sensações fortes e inesquecíveis, que ficaram guardadas com carinho na gaveta das cenas mais chocantes e memoráveis já vistas na sala escura.
No caso, na sala escura do Cine Brasília.
A música dos discos de Frank Pourcel. O badalar que avisava: as luzes vão ser apagadas. A expectativa para o começo da projeção. O lanterninha que ajudava os retardatários.
Muitas vezes, antes do filme, passava o cinejornal do Canal 100, com gols de partidas de futebol, em geral dos times do Rio do Janeiro.
Selvagens cães de guerra abre ao estilo dos filmes de James Bond, com uma "música tema" tocando com imagens temáticas sucessivas. Somos enviados ao continente africano, o cenário em que se passará a ação.
A música "The Flight of the Wild Geese" é de Joan Armatrading e se tornou um sucesso da cantora. A letra da canção consegue um equilíbrio perfeito entre o comercial com pitadas de cunho social. Dê o play no vídeo acima e acompanhe a inspirada letra:
Sad are the eyes
Yet no tears
The flight of the wild geese
Brings a new hope
Rescued from all this
Old friends
And those newly found
What chance to make it last
When there's danger all around
And reason just ups and disappears
Time is running out
So much to be done
Tell me what more
What more
What more can we do
There were promises made
Plans firmly laid
Now madness prevails
Lies fill the air
What more
What more
What more can we do
What chance to make it last
What more
What more can we do
O roteiro do filme é de Reginald Rose, o mesmo roteirista do clássico Doze homens e uma sentença, inspirado no livro de Daniel Carney.
Agora na revisita pude aproveitar todo o humor da parte inicial, que envolve a contratação e o recrutamento dos mercenários que empreenderão uma perigosa missão em um remoto país da África.
São impagáveis as cenas da apresentação dos personagens de Richard Burton (Coronel Faulkner), Roger Moore (Tenente Fynn) e Richard Harris (Capitão Janders).
Este filme marcou época na categoria de "compor uma equipe para cumprir uma missão militar". A cartilha é seguida à risca e a sequência em que os oficiais entrevistam os praças candidatos a participar da missão é outra que provoca muitas risadas e divertimento.
A ação em si também é diversão pura. O diretor Andrew V. McLaglen não é nenhum diretor grandioso, mas me lembra um pouco outro diretor "matter-of-fact", ou seja, que não faz alarde e cumpre o prometido: John Sturges.
O corpulento diretor, que pode ser visto no featurette da première de The Wild Geese, realiza um trabalho focado na simplicidade e eficácia das cenas.
Acho que ele acertou em cheio no tom que imprimiu ao filme. Um nome nos créditos não pode deixar de ser mencionado: John Glen, que trabalho na montagem e também como diretor de segunda unidade. Ele estava "pedindo passagem" e mais tarde acabou se tornando um diretor especializado em ação, com vários filmes da franquia James Bond no currículo.
Glen ou McLaglen: quem terá dirigido a cena que ficou na minha cabeça por décadas?
Sei que só agora pude revê-la, ao lado de meus dois filhos (7 e 12 anos).
O mais velho assistiu ao filme inteiro comigo.
O mais novo só foi chamado a partir da hora em que um dos mercenários utilizaria uma besta com setas envenenadas para eliminar os sentinelas. Falar isso foi o suficiente para ele interromper o jogo de Plantas x Zumbis Garden Warfare e vir correndo conferir.
E adivinhe, o garotinho não desgrudou os olhos da tela até o fim do filme e ficou bastante impressionado. Tanto que no dia seguinte contou à mãe dele sobre o filme e adivinhe qual cena ele descreveu? Exatamente a mesma cena que me deixou impressionado no cinema, a cena que eu jamais havia esquecido!
A qual, é claro, não será descrita aqui.
Quem já teve o privilégio de assistir ao filme deve saber de qual cena estou falando.
Ao rever o filme fiquei com a impressão de que o Cine Brasília apresentou uma versão cortada do final. Era normal alguma emenda do rolo se perder em meio à peregrinação que o filme fazia desde ser lançado nos grandes centros até chegar a uma longínqua e aprazível cidadezinha do interior.
Seja como for, os cortes faziam parte da experiência de ser um assíduo frequentador do Brasília, e, quando aconteciam, o público sempre se manifestava com uma sonora vaia.
Aguarde em breve uma espécie de "Epílogo" para esta série, em que vou resenhar o curta-metragem realizado sobre o Cine Brasília.
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