quinta-feira, março 26, 2020

Flu

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O cinema sul-coreano ultimamente anda "surrando" os filmes "made in Hollywood".
Em se tratando de filme sobre pandemias, não perca seu tempo assistindo a Contágio, Epidemia e enlatados quejandos. O suprassumo do terror viral é encontrado em Flu, profético filme de 2013 disponível em famosa plataforma de streaming.


Após um grupo de imigrantes clandestinos morrer em um contêiner, uma perigosa doença começa a se espalhar em uma cidade metropolitana perto de Seul. Apenas um dos imigrantes sobrevive e contribui para espalhar o vírus na cidade.

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A agressiva enfermidade ataca as vias respiratórias do infectado, causando erupções cutâneas e, na fase terminal, tosse com sangue. Em menos de 36 horas a pessoa vai a óbito.

Um médico faz o alerta e aconselha o isolamento dos moradores, mas ninguém lhe dá ouvidos.

Bundang residents run toward the line drawn in the middle of Bundang-Suseo Highway, to which the authorities have forbidden access, in order to prevent them from spreading the virus to the rest of the country

Quando o pânico começa a se disseminar, os políticos entram em cena, e adivinhe: as decisões começam a ser tomadas não pelo bem da população em perigo, mas sim para agradar as "grandes potências".

Um dos gestores da crise é justamente um norte-americano, preocupado apenas em evitar as consequências econômicas de uma pandemia mundial.Resultado de imagem para flu movie 

A grande sacada do diretor sul-coreano Kim Sung-su foi criar um envolvente núcleo dramático, composto pelo bombeiro Kang (Jang Hyuk), a médica Kim In-hae (Soo Ae) e a filhinha dela, Kim Mi-reu (Park Min-ha). Esse trio conduz o filme em cenas de alta dramaticidade e que salientam os valores sul-coreanos da amizade, do respeito e do amor.

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Outro destaque do elenco é Ma Dong-seok, que faz uma espécie de vilão, um sujeito que está infectado e quer desesperadamente conseguir anticorpos, nem que para isso seja necessário aterrorizar uma menininha. Esse ator já é conhecido dos espectadores ocidentais que apreciam filmes de terror, porque é um dos heróis do filme Train to Busan (Invasão zumbi), outro grande filme sul-coreano desta década.

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Na China este filme se transformou em um hit em janeiro deste ano, em plena crise da covid-19. No Twitter chinês, o Weibo, um comentário sobre Flu resume a estratégia: "The best way to conquer fear is to confront fear".


Você pode ler mais sobre essa maneira catártica de criar coragem para enfrentar a pandemia no artigo In China, people are fighting the coronavirus outbreak by watching disaster movie "The Flu".


quarta-feira, março 25, 2020

A testemunha

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Existe algum filme que você possa rever e logo na primeira sequência sentir seus pelos se arrepiarem?

E deixar que esse prazer se repita ao longo da sessão em muitas cenas?

Existe algum filme que você conheça que tenha aventura, romance, suspense e drama?

Que misture os gêneros de um modo que beira a perfeição?

E de quebra faça

crítica social, 

crítica à corrupção, 

crítica ao preconceito contra membros de uma religião e seus costumes,

elogio à solidariedade,

elogio à coragem,

elogio à honra e aos valores humanos?

Esse filme existe para mim e chama-se A testemunha, do australiano Peter Weir.

Esse é o tipo de filme ideal para a quarentena. 

Que distraia e faça pensar, que suscite emoções à flor da pele.

Que lhe permita ser piegas o suficiente para verter lágrimas pela alegria de revisitar um filme que mora em seu coração.

Primeiro filme da "fase estadunidense" de Peter Weir (que chamou a atenção de Hollywood ao realizar filmes do calibre de O ano que vivemos em perigo, Gallipoli e Piquenique na montanha misteriosa), A testemunha tem como protagonista John Book, interpretado magistralmente (a seu modo inconfundível, que para alguns beira a canastrice, e para outros, é uma mescla de carisma e sex appeal) por Harrison Ford.

E em quais cenas voltei a me arrepiar?

São muitas.

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Aquela em que o Lukas Haas identifica o assassino é simplesmente cinema puro.

Nenhuma palavra é pronunciada, a câmera apenas acompanha o olhar de Harrison Ford que num vislumbre percebe a importância do que está acontecendo.

É nisso que A testemunha se sobressai: a maneira quase insana em que um diretor conseguiu unir o "lado comercial" com o "lado artístico".

Não é à toa que A testemunha é considerado um dos melhores e mais significativos filmes que Hollywood produziu na década de 1980.

O australiano Peter Weir é um realizador discreto, que faz seus filmes sem muito alarde, e, dizem os entendidos, não procura deixar "a sua marca registrada" em todos os filmes que faz. Isso não impede que o diretor tenha um ou outro "fã" perdido nesse mundo afora. A propósito, este artigo da IndieWire é uma boa introdução à filmografia deste grande diretor.






terça-feira, março 24, 2020

O enigma do outro mundo

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Tosco.

É o adjetivo que define melhor John Carpenter's The Thing, ou, conforme o imaginativo título nacional, O enigma do outro mundo.

Apesar de tosco, essencial.

Efeitos especiais, por exemplo, são da época em que usavam-se modelos, maquiagem, dublês, e nada era trabalhado em imagens digitais.

O nosso herói é o operador de helicóptero viciado em uísque (Kurt Russel) que trabalha numa estação científica da Antártica.

O filme começa com ação pura.

Um helicóptero persegue um cão que corre na neve.

Alguém tenta abater o cão que desesperadamente tenta escapar.

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A cena praticamente inexplicável será explicada.

Pessoas praticamente vacinadas contra o pavor serão apavoradas.

Uma equipe inteira de cientistas, funcionários de apoio, gente preparada para tudo, será testada ao extremo em um ambiente inóspito.

E a palavra "testada" aqui não é metáfora.

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Talvez a sequência mais emblemática do filme seja aquela em que os sobreviventes da equipe são submetidos a um teste para saber se estão ou não estão contaminados pelo imperceptível invasor.

Um por um, com terror nos olhos, cada integrante da equipe vai cortando a pele e deixa o sangue pingar na placa de petri.

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Este artigo defende que The Thing de John Carpenter seria o "supremo" cult movie clássico. 

este outro, mais realista, acompanha a mudança na forma como o filme vem sendo encarado ao longo dos anos, e, aos poucos, foi passando de "trash" a "clássico".

Um filme sem presença feminina.

Um filme sem amenidades.

Um filme tosco, mas essencial.




segunda-feira, março 23, 2020

A terra treme

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Com elenco amador (composto principalmente por pessoas da comunidade pesqueira da Sicília), o diretor italiano Luchino Visconti cria uma história sobre a insatisfação humana.

'Ntoni é o nome do protagonista.

Ele é um jovem pescador revoltado com o "status quo". 

E qual é o estado das coisas?

Os pescadores trabalham para os donos dos barcos, arriscando a vida, velejando ao mar aberto todas as noites, voltando pela manhã, após ter lançado e recolhido suas redes inúmeras vezes. O produto de sua faina é então comprado em "leilões" tumultuados, nos quais os pescadores são obrigados a aceitar preços escorchantes.

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Pelo menos, é com esses olhos que 'Ntoni enxerga os fatos.

Encasqueta que a solução é hipotecar a casa centenária da família e, com o dinheiro da hipoteca, comprar um barco próprio e vender os peixes em Catania, a cidade vizinha.


Visconti conta a história quase como se ela fosse um documentário, e algumas cenas realmente retratam o cotidiano dos pescadores. Seja como for, o resultado artístico obtido com um elenco não profissional é digno de nota.

Atenção: a leitura dos próximos parágrafos é indicada apenas para quem já teve o prazer de assistir ao filme.


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As tramas paralelas envolvem as esperanças amorosas de Ntoni e suas duas irmãs. E a trajetória do irmão mais novo de 'Ntoni, que, ao ficar desempregado, envereda por caminhos tortuosos.


Este artigo do Wikipédia conta como o filme foi encomendado pelo Partido Comunista e é inspirado no livro Malavoglia (1881), de Giovanni Verga. A página também menciona o elenco que não é creditado no filme. Já este artigo lista os 8 melhores títulos da filmografia do diretor italiano.


Uma cena chave do filme é aquela em que os empresários estão contratando pessoas para tripularem os novos barcos recém-batizados. Em meio ao modo humilhante que a classe "empresarial" oprime os pobres e esfarrapados candidatos, a câmera mostra na parede um slogan de Mussolini.



A terra treme pode ser visto como um libelo contra a exploração do homem pelo homem.

Ou simplesmente como uma prova de que, às vezes, é melhor contentar-se com o que temos, progredir aos poucos e não dar um "passo maior que a perna".

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sexta-feira, março 13, 2020

Indústria americana

 

Intrigante documentário que acompanha a fundação de uma empresa de capital chinês nos Estados Unidos, desde a instalação, os oscilantes resultados iniciais, a reengenharia (com a nomeação de um CEO chinês), a votação interna entre as facções pró-sindicato e contra, até a "volta por cima", com a indústria começando a melhorar a lucratividade nos dias de hoje.


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É fantástica a maneira aberta como os fatos são mostrados. Os dois lados da moeda aparecem. Novas oportunidades, mas salários menores.
A "estabilidade financeira" vem a duras penas. Pressão por resultados, distância da família. 
Uma parte dos colaboradores locais reclama das más condições de trabalho e querem a criação de um sindicato. O dono da empresa diz que se o sindicato for criado, a empresa e todos os funcionários vão sair perdendo.

Claro que a própria escolha do tema (um estudo de caso sobre a evolução do capitalismo em tempos de globalização acirrada) é contundente por si só. Mas os cineastas não caem na armadilha do maniqueísmo.
Não existe um ponto de vista a ser defendido, uma ideologia a ser comprovada.

Esse é o maior diferencial de Indústria americana em comparação a Democracia em vertigem
Não se agarra a um viés ideológico, não declara que algo é verdadeiro, não quer ansiosamente imputar rótulos a este ou àquele personagem.


Essa capacidade de fazer uma denúncia social e, ao mesmo tempo, saber manter-se relativamente neutro  também ajuda a explicar o fato de Indústria americana ter levado vantagem no Oscar. O filme dialoga com mais pessoas, toca mais gente e é compreensível para mais povos mundo afora.


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Aqui, os realizadores querem contar a história das pessoas envolvidas sem querer provar uma tese.
Funcionários de ambas as nacionalidades (China e EUA) são retratados; suas aspirações e angústias.

O chinês, dono da empresa de vidros automotivos, também tem um momento no filme para falar um pouco sobre si mesmo.
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Assim, a montagem do documentário sabiamente alterna os diferentes pontos de vista, e o resultado é um filme provocante e inspirador.

Em tempo: a Netflix fez um curta em que os realizadores Steven Bognar e Julia Reichert dialogam com Barack e Michelle Obama; recomendo assistir a este curta após ver o filme.


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Raridades da Zilvia: Aeroporto

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Encerrando a série de 4 posts em homenagem às bravas locadoras que ainda resistem em pleno 2020, nada melhor que um belo exemplo de "cinema-catástrofe" à moda antiga: Aeroporto, o filme dirigido por George Seaton lançado em 1970, com Burt Lancaster liderando o elenco.

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Com roteiro mais bem trabalhado que Inferno na torre, outro filme desta série de posts, Aeroporto revela uma série de meandros que envolvem a rotina de um gestor de aeroporto, no caso, Mel Bakersfeld (Burt Lancaster).

Burt Lancaster and George Kennedy in Airport (1970)

O alívio cômico é por conta de Helen Hayes, a velhinha especializada em embarcar clandestinamente em voos internacionais.

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Cada filme espelha as preocupações da época. O começo dos anos 70 foi marcado por filmes que mostram a realidade periclitante dos relacionamentos. Em Aeroporto as tramas humanas que permeiam a história principal (a de um homem desesperado que faz seguro de vida e embarca num voo para Roma com a firme intenção de derrubar o avião com uma bomba caseira) envolvem a fragilidade do matrimônio, mostrando nada menos que a iminência de dois relacionamentos extraconjugais.

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O veterano roteirista e diretor George Seaton, cuja obra-prima foi De ilusão também se vive (1947, pelo qual ganhou Oscar de Melhor Roteiro), conduz Aeroporto de modo cirúrgico, mas naquele ritmo próprio da época, nada a ver com os filmes de ação "vertiginosos" e "frenéticos" de hoje.

Se você aprecia bons diálogos e a construção dos personagens, não perca tempo e embarque nesse voo. Disponível nas melhores locadoras de sua cidade (em Porto Alegre, na E o vídeo levou; em Passo Fundo, na Zílvia).
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POSTS DA SÉRIE "RARIDADES DA ZÍLVIA":

1. O cão dos Baskervilles.
2. Arizona nunca mais.
3. Inferno na torre.
4. Aeroporto.



domingo, março 08, 2020

O homem invisível


O homem invisível de Leigh Whannell transforma Adrian Griffin, o clássico, multifacetado e repleto de conflitos personagem da literatura numa figura rasa e previsível.

Essa é a maior heresia do filme cuja história se concentra em acompanhar os passos da sem carisma Cecilia, mulher que foge do marido e pensa estar sendo perseguida por ele. 

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"Aclamada" entre os críticos de plantão (que provavelmente jamais pegaram o livro de H. G. Wells nas mãos), a nova roupagem de O homem invisível não explora a complexidade de dramas enfrentados pelo Griffin original.



A pegada "feminista" do filme contribui para o reducionismo patético da psicologia daquele que deveria ser o personagem mais aprofundado pela história, mas acaba sendo mera marionete das intenções canhestras dos roteiristas.

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Foram necessários mais de 70 minutos para que o primeiro diálogo inteligente acontecesse, e ele se dá durante o jantar entre as irmãs Emily (Harriet Dyer) e Cecilia (Elisabeth Moss) num restaurante chique. Incrivelmente as frases que Emily diz para o garçom são as melhores do filme.

A sessão se arrastava, e pouco tempo depois, em pleno "clímax" do filme, uma família inteira debandou do cinema, em protesto por ter sido enganada. Vender o filme como "refilmagem do clássico dos anos 30" é sem dúvida no mínimo uma propaganda enganosa. 

"The Invisible Man"

Este O homem invisível mais parece uma esquecível refilmagem de Dormindo com o inimigo (1991), de Joseph Ruben, em que Julia Roberts é perseguida pelo marido de quem ela foge. Com a diferença que o filme de Ruben aborda o problema sem precisar esculachar uma história clássica sobre conquistas científicas e a angústia de ser humano, demasiadamente humano. 


Ao longo das décadas a ideia sublime de H. G. Wells tem sido adaptada de várias e diferentes formas. Cansativo e manipulador, O homem invisível versão 2020 não empolga nunca e praticamente não traz momentos que "valem o ingresso".