Cinebiografia do compositor francês Serge Gainsbourg (1928-1991) assinada pelo quadrinista Joann Sfar. O roteiro do longa baseia-se na graphic novel de autoria do diretor, nascido em Nice no ano de 1971 (mesmo ano, a propósito, em que nasceu Charlotte Gainsbourg, a filha de Jane Birkin e Serge Gainsbourg).
Com cenas que retratam toda a trajetória de um dos ícones da música pop mundial, desde a infância em que sentiu na pele a discriminação por ser judeu (parte que faz intertexto com o clássico de Louis Malle, Adeus, meninos) até o começo discreto como pianista de night clubs e a inesperada chegada ao sucesso. A estratégia de Sfar é acompanhar a evolução e metamorfose de Gainsbourg ao longo da carreira e ao mesmo tempo mostrar que suas orelhas de abano e seu nariz avantajado não o impediram de ter no currículo algumas das mulheres mais desejadas do mundo. Entre as musas conquistadas por Serge Gainsbourg (interpretado por Eric Elmosnino) destacam-se Brigitte Bardot (Leatitia Casta) e Jane Birkin (Lucy Gordon, em seu derradeiro papel, antes de se enforcar em 2009).
As duas horas do filme passam rápido, generosamente enriquecidas com o repertório eclético, pop e envolvente de Gainsbourg.
Quem não conhece, por exemplo:
http://www.youtube.com/watch?v=qO0J7O960ls?
segunda-feira, agosto 29, 2011
segunda-feira, agosto 22, 2011
Super 8
Don't Bring Me Down, um dos singles mais bem-sucedidos da E.L.O., toca no começo e no fim de Super 8. O objetivo, além de homenagear Jeff Lynne e sua troupe, é remeter o espectador aos idos de 1979. Não à toa, talvez, o símbolo da E.L.O. era uma nave espacial. Super 8 trata de um dos temas mais queridos pelo produtor Spielberg: o contato imediato com alienígenas. A história transcorre nos fins da década de 1970 e se concentra na aventura de um grupo de pré-adolescentes que, numa cidadezinha de 12 mil habitantes, resolve realizar um filme de zumbis. Durante a filmagem de uma cena numa estação ferroviária isolada, eles presenciam um acidente espetacular que vai arremessá-los numa inquietante e perigosa investigação. J. J. Abrams, o criador da série Lost, tem ao longo da carreira se caracterizado pelo talento para filmar ação misturada com suspense. Em Super 8, ele consegue passar um clima de paranoia e medo parecido com o de Invasores de corpos, o clássico de 1958. Claro, o roteiro é frágil em muitos aspectos e conta com uma invejável lista de detalhes mal amarrados. Não obstante, como já foi mencionado, sobressai-se a aptidão do diretor em manter o suspense, a despeito das fragilidades do roteiro. E as inter-relações pessoais entre o núcleo de personagens centrais contribuem para tornar Super 8 um bom entretenimento - e, de quebra, uma homenagem à importância dos papais.
Melancolia
Sim, as cenas impressionam pela plasticidade e a força estética. Sim, Dunst, a melancólica noiva, mereceu a Palma de Ouro. Sim, Rampling, a ácida mãe da noiva, quase rouba a cena. Sim, completam o elenco ninguém menos que Charlotte Gainsbourg, a lacônica irmã da noiva, Kiefer Sutherland, o gélido cunhado da noiva, e John Hurt, o pândego pai da noiva. Sim, Melancolia é um convincente estudo da depressão e sim, Melancolia é um banquete para olhos e ouvidos. E por último, mas não menos importante: sim, um diretor que coloca no mesmo filme Charlotte Rampling e Kirsten Dunst merece respeito. No mínimo, o cara entende de mulher.
Mas o que Lars von Trier entende de sex appeal, demonstra desconhecer de astronomia.
Nunca num filme tão pretensioso tantas aberrações astronômicas são apresentadas ao incauto espectador. Antares, a estrela alfa da constelação de Escorpião, uma das 88 constelações da Via Láctea, desaparece do céu. Como se isso não bastasse, o planeta Melancolia, de massa bem superior à da Terra, invade o Sistema Solar, se aproxima da Terra, começa a se afastar dela, e depois volta a se aproximar!
Tá, tudo bem que o filme é pra ser um misto de drama com ficção científica. Na óptica de von Trier, o espectador é convidado a esquecer tudo o que Newton ensinou (a velha e boa lei da gravidade). Involucra essas liberdades científicas num belo mosaico de imagens, e vamos em frente. Verossimilhança é uma palavra em desuso. E pra que verossimilhança, se Melancolia retrata a podridão e a doença com uma beleza impensada?
domingo, agosto 14, 2011
Dos quadrinhos para as telas: Sin City
Mais um post da série de textos resgatados.
Sin City
No post anterior, comentei sobre a decadência do cinema. É bem verdade que nesta época do ano em geral os filmes são direcionados para um padrão descartável. Sendo o cinema uma arte autoral, são apenas os autores - criativos diretores e roteiristas - que podem salvá-lo.
Robert Rodriguez é um deles. Especialista em cinema diversão inteligente, depois da estreia com El Mariachi, Rodriguez proporcionou-nos risos aterrorizantes em Um drink no inferno (From Dusk Till Dawn, parceria com Tarantino) e retornos à infância com a série Pequenos Espiões.
Agora o diretor texano mergulha no universo Frankmilleriano, em três impactantes episódios.
Um Bruce Willys cabeludo é Hartigan, detetive que salva uma menina de 11 anos do estupro. O estuprador é o filho de um senador poderoso e o detetive acaba preso. Nancy Callagan envia uma carta por semana para ele até que, 8 anos depois, Hartigan é solto e eles voltam a se encontrar.
Noutro, Mickey Rourke é um deformado que se apaixona pela única mulher em anos que vai para cama com ele: Goldie, uma loira escultural, que acaba assassinada. Ele parte então em busca de vingança.
Por fim, Clive Owen protagoniza o episódio em que enfrenta com a namorada um policial demente e corrupto (Benicio Del Toro).
A prova de que o filme não é apenas cabeças degoladas, membros decepados e genitais arrancados, está na meditação que ele provoca sobre a mulher de dezenove anos.
No episódio do Bruce Willys, ao sair da cadeia, seu personagem passa dos 50 anos. E reencontra a menina que salvara. Agora, uma mulher de 19 anos. Idade extremamente perigosa. Idade em que a mulher tem o homem que quer, na cama que ela escolhe. Aos 19, exacerba-se a beleza, acentua-se o desejo, eterniza-se a ternura. Uma mulher de 19 anos é capaz de provocar desatinos, desesperos e imolações.
Sobre a cena dirigida por Tarantino pela quantia simbólica de um dólar, dizem que foi exatamente a antológica cena em que Bruce Willys reencontra Nancy no bar.
(Texto de agosto de 2005.)
Sin City
No post anterior, comentei sobre a decadência do cinema. É bem verdade que nesta época do ano em geral os filmes são direcionados para um padrão descartável. Sendo o cinema uma arte autoral, são apenas os autores - criativos diretores e roteiristas - que podem salvá-lo.
Robert Rodriguez é um deles. Especialista em cinema diversão inteligente, depois da estreia com El Mariachi, Rodriguez proporcionou-nos risos aterrorizantes em Um drink no inferno (From Dusk Till Dawn, parceria com Tarantino) e retornos à infância com a série Pequenos Espiões.
Agora o diretor texano mergulha no universo Frankmilleriano, em três impactantes episódios.
Um Bruce Willys cabeludo é Hartigan, detetive que salva uma menina de 11 anos do estupro. O estuprador é o filho de um senador poderoso e o detetive acaba preso. Nancy Callagan envia uma carta por semana para ele até que, 8 anos depois, Hartigan é solto e eles voltam a se encontrar.
Noutro, Mickey Rourke é um deformado que se apaixona pela única mulher em anos que vai para cama com ele: Goldie, uma loira escultural, que acaba assassinada. Ele parte então em busca de vingança.
Por fim, Clive Owen protagoniza o episódio em que enfrenta com a namorada um policial demente e corrupto (Benicio Del Toro).
A prova de que o filme não é apenas cabeças degoladas, membros decepados e genitais arrancados, está na meditação que ele provoca sobre a mulher de dezenove anos.
No episódio do Bruce Willys, ao sair da cadeia, seu personagem passa dos 50 anos. E reencontra a menina que salvara. Agora, uma mulher de 19 anos. Idade extremamente perigosa. Idade em que a mulher tem o homem que quer, na cama que ela escolhe. Aos 19, exacerba-se a beleza, acentua-se o desejo, eterniza-se a ternura. Uma mulher de 19 anos é capaz de provocar desatinos, desesperos e imolações.
Sobre a cena dirigida por Tarantino pela quantia simbólica de um dólar, dizem que foi exatamente a antológica cena em que Bruce Willys reencontra Nancy no bar.
(Texto de agosto de 2005.)
Dos quadrinhos para as telas
Do arquivo resgatado, três adaptações dos quadrinhos para as telas:
Asterix: missão Cleópatra
Se você tem a referência do clássico quadrinho, é a oportunidade de se divertir mais uma vez com os personagens de Uderzo & Goscinny. Se nunca leu Asterix, é a hora de conhecer o mundo desses gauleses puros e pândegos.
Para provar que o povo egípcio não é decadente, Cleópatra desafia César. Irá construir um castelo em sua homenagem no prazo de três meses. Para isso, chama o atrapalhado arquiteto Numerobis. Que, é claro, vai acabar recorrendo ao druida Panoramix e sua troupe.
A ideia básica é a mesma do álbum Asterix e Cleópatra. Só a estonteante Mônica Bellucci, vestindo um figurino pra lá de sensual, já justifica a locação. Mas o que mantém o filme são as sacadas legais e lances satíricos, como a greve dos trabalhadores, a queda do nariz da esfinge, a invenção do elevador e do espelho retrovisor. Se o bardo Chatotorix está ausente, temos o pedante escriba Otis e seus longos e hilários devaneios. E, é claro, a paixão fulminante de Asterix pela criada Medáumbeijes. Assistindo aos extras, fica a certeza de que não é preciso ser arrogante para ser um bom diretor. O francês Alain Chabat, que também atua no papel de César, leva a equipe em alto astral e perfeita harmonia. O resultado disso está no filme.
(Texto de abril de 2003.)
O Demolidor
Criado por Stan Lee em 1964, o Demolidor atingiu fama no traço de Frank Miller. Ao longo da década de 80, o desenhista passou também a escrever o argumento de muitas aventuras do herói, cultuado pelos fãs da Marvel e de histórias em quadrinhos.
A essência do Demolidor, ou seu principal “superpoder”, é a força de vontade. Devido a um grave acidente na infância, perdeu completamente a visão. Isso não o impediu de se transformar em um brilhante advogado. Diferentemente de outros heróis em que a profissão é mero disfarce para entrar em ação no momento propício, Matt Murdock tem, em sua rotina de trabalho, uma relação visceral de combate à contravenção. Apesar de seus esforços, acaba frustrado com o sistema judiciário. Nas noites perigosas de Nova York, vira o Demolidor e procura justiça com as próprias mãos. No combate ao crime, além da tenacidade, o Demolidor lança mão de sua hipersensibilidade. Depois do acidente, passou a escutar melhor – bem melhor. Com treino, passou a distinguir as pessoas através dos batimentos cardíacos. O olfato também se aguçou. Por último, mas não menos importante, desenvolveu um sistema de sonar ou radar, pelo qual se move com destreza.
O que eu achei do filme? Modesto. E a modéstia tem lá suas vantagens. O argumento despretensioso, porém eficaz, inclui personagens de certo peso, como a inacessível Elektra (Jennifer Garner, do seriado Alias) e o arremessador de dardos e matador de aluguel Mercenário (o aspirante a galã em ascensão Colin Farrell). Um poderoso gângster encomenda ao cruel e certeiro vilão o assassínio do pai de Elektra. Enamorado da misteriosa moça, o Demolidor tenta impedir. Ben Affleck, além de idêntico ao Matt Murdock dos quadrinhos, está à vontade no papel, simpático e convincente – não que o filme exija muito. Justamente por sua modéstia, O Demolidor consegue ser um bom divertimento.
(Texto de maio de 2003.)
Hulk, King Kong e Lobisomem
Em Hulk, Ang Lee comprova sua incomum capacidade como diretor: consegue performances convincentes de um bebê de um ano, de uma criatura 100 % digital e até de Nick Nolte. Exigir desenvoltura de Eric Bana seria pedir demais. Pensando bem, a apatia e o sensabor de Bana são perfeitos para o papel de Bruce Banner – mero adjuvante ausente das melhores cenas do filme.
Coestrelando, maravilhosa, irrepreensível, soberba, a eterna- namorada-de-casos- perdidos Jennifer Connelly; depois de mergulhar no inferno das drogas com Jared Leto (Réquiem para um sonho), aguentar as pontas esquizofrênicas do Russel Crowe (Uma mente brilhante), agora, na pele de Betty Ross, cientista e filha de general, se apaixona por um monstro verde: Hulk, o verdadeiro astro do filme.
Enquanto a criatura não entra em cena o filme patina, quase atola num lodaçal psicológico e científico; mas, finalmente, quando Bruce Banner, cujo DNA, por conta de experiências biotecnológicas realizadas pelo seu pai, incorporou gens regenerativos da mãe d’água e, mais tarde, também cientista, teve potencializadas essas características ao receber uma violenta carga de raios gama, quando Bruce Banner é espezinhado, agredido, humilhado, quando Bruce Banner perde o controle e se sente ultrajado... Hulk aparece e a plateia agradece.
A cada evento, a cada mudança, a cada transformação, o filme ganha estrutura, massa, peso, em resumo, o filme cresce. A sequência em que Hulk escapa da base e enfrenta o exército americano no deserto é delirante, não somente para quem leu em balões ilustrados por Frank Miller frases como “Hulk não quer ficar aqui!”, “Hulk não tem medo de soldados!”, “Hulk não precisa de ninguém!”, “Hulk odeia máquinas!”, “Hulk odeia Banner!” e “Hulk detesta homens de farda!”, mas também à geração que está sendo apresentada fidedigna e assustadoramente ao personagem.
Como se percebe, Hulk fala mais nos quadrinhos do que no cinema – apenas duas tímidas intervenções vocais. Entretanto, isso não afeta seu desempenho em cenas chave, como o momento de suave ternura entre a bela Jennifer Connelly e a fera esverdeada, na cena King Kong do ano.
Falando em seres perseguidos e alijados, a monstruosidade intrínseca e inexorável de Bruce Banner/Hulk nos remete à dicotomia de Larry Talbot/O lobisomem (1941). O paralelo: ambos são da Universal, o estúdio especialista em monstros. A licantropia e a criatura verde da Marvel trazem a metáfora da dupla personalidade. Larry Talbot e Bruce Banner se transformam em criaturas temíveis e imprevisíveis. Coincidência ou não, Hulk tem um Talbot: o almofadinha (Josh Lucas) que vive atormentando Bruce. Parte da crí¬tica descascou O lobisomem na época. Ontem como hoje: Hulk também está sendo ridiclarizado, entre outros motivos, pelos efeitos especiais.
Um diálogo de O lobisomem, do célebre roteirista Curt Siodmak, ajuda a situar o que penso de Hulk, filme com algumas falhas, alguns lapsos de fio de meada, algumas forçadas de barra, mas com a boa música de Danny Elfman, a direção consistente de Ang Lee, alfinetadas na febre militarista e, sobretudo, alguns trechos empolgantes de cinema puro. “Para certas pessoas, a vida é muito simples. Eles decidem: isto é bom, aquilo é mau; isto é errado, aquilo é certo. Não há bom e mau, não há certo e errado. Não há cinza e sombras, tudo é branco ou preto. Outros como nós acham que o bom, mau, certo e errado são coisas multifacetadas e complexas. Tentamos ver todos os lados. Porém quanto mais vemos, menos certeza temos.”
Transformado em cobaia, em objeto de estudo, atormentado pelo seu passado de criança adotada, perseguido por homenzinhos e máquinas, impiedosamente atacado como King Kong, cientificamente incompreendido como o lobisomem, o Hulk do cinema diz com os olhos o que o dos quadrinhos brada aos quatro ventos: “Hulk está cansado de fugir!”.
(Texto de junho de 2003.)
Se você tem a referência do clássico quadrinho, é a oportunidade de se divertir mais uma vez com os personagens de Uderzo & Goscinny. Se nunca leu Asterix, é a hora de conhecer o mundo desses gauleses puros e pândegos.
Para provar que o povo egípcio não é decadente, Cleópatra desafia César. Irá construir um castelo em sua homenagem no prazo de três meses. Para isso, chama o atrapalhado arquiteto Numerobis. Que, é claro, vai acabar recorrendo ao druida Panoramix e sua troupe.
A ideia básica é a mesma do álbum Asterix e Cleópatra. Só a estonteante Mônica Bellucci, vestindo um figurino pra lá de sensual, já justifica a locação. Mas o que mantém o filme são as sacadas legais e lances satíricos, como a greve dos trabalhadores, a queda do nariz da esfinge, a invenção do elevador e do espelho retrovisor. Se o bardo Chatotorix está ausente, temos o pedante escriba Otis e seus longos e hilários devaneios. E, é claro, a paixão fulminante de Asterix pela criada Medáumbeijes. Assistindo aos extras, fica a certeza de que não é preciso ser arrogante para ser um bom diretor. O francês Alain Chabat, que também atua no papel de César, leva a equipe em alto astral e perfeita harmonia. O resultado disso está no filme.
(Texto de abril de 2003.)
O Demolidor
Criado por Stan Lee em 1964, o Demolidor atingiu fama no traço de Frank Miller. Ao longo da década de 80, o desenhista passou também a escrever o argumento de muitas aventuras do herói, cultuado pelos fãs da Marvel e de histórias em quadrinhos.
A essência do Demolidor, ou seu principal “superpoder”, é a força de vontade. Devido a um grave acidente na infância, perdeu completamente a visão. Isso não o impediu de se transformar em um brilhante advogado. Diferentemente de outros heróis em que a profissão é mero disfarce para entrar em ação no momento propício, Matt Murdock tem, em sua rotina de trabalho, uma relação visceral de combate à contravenção. Apesar de seus esforços, acaba frustrado com o sistema judiciário. Nas noites perigosas de Nova York, vira o Demolidor e procura justiça com as próprias mãos. No combate ao crime, além da tenacidade, o Demolidor lança mão de sua hipersensibilidade. Depois do acidente, passou a escutar melhor – bem melhor. Com treino, passou a distinguir as pessoas através dos batimentos cardíacos. O olfato também se aguçou. Por último, mas não menos importante, desenvolveu um sistema de sonar ou radar, pelo qual se move com destreza.
O que eu achei do filme? Modesto. E a modéstia tem lá suas vantagens. O argumento despretensioso, porém eficaz, inclui personagens de certo peso, como a inacessível Elektra (Jennifer Garner, do seriado Alias) e o arremessador de dardos e matador de aluguel Mercenário (o aspirante a galã em ascensão Colin Farrell). Um poderoso gângster encomenda ao cruel e certeiro vilão o assassínio do pai de Elektra. Enamorado da misteriosa moça, o Demolidor tenta impedir. Ben Affleck, além de idêntico ao Matt Murdock dos quadrinhos, está à vontade no papel, simpático e convincente – não que o filme exija muito. Justamente por sua modéstia, O Demolidor consegue ser um bom divertimento.
(Texto de maio de 2003.)
Hulk, King Kong e Lobisomem
Em Hulk, Ang Lee comprova sua incomum capacidade como diretor: consegue performances convincentes de um bebê de um ano, de uma criatura 100 % digital e até de Nick Nolte. Exigir desenvoltura de Eric Bana seria pedir demais. Pensando bem, a apatia e o sensabor de Bana são perfeitos para o papel de Bruce Banner – mero adjuvante ausente das melhores cenas do filme.
Coestrelando, maravilhosa, irrepreensível, soberba, a eterna- namorada-de-casos- perdidos Jennifer Connelly; depois de mergulhar no inferno das drogas com Jared Leto (Réquiem para um sonho), aguentar as pontas esquizofrênicas do Russel Crowe (Uma mente brilhante), agora, na pele de Betty Ross, cientista e filha de general, se apaixona por um monstro verde: Hulk, o verdadeiro astro do filme.
Enquanto a criatura não entra em cena o filme patina, quase atola num lodaçal psicológico e científico; mas, finalmente, quando Bruce Banner, cujo DNA, por conta de experiências biotecnológicas realizadas pelo seu pai, incorporou gens regenerativos da mãe d’água e, mais tarde, também cientista, teve potencializadas essas características ao receber uma violenta carga de raios gama, quando Bruce Banner é espezinhado, agredido, humilhado, quando Bruce Banner perde o controle e se sente ultrajado... Hulk aparece e a plateia agradece.
A cada evento, a cada mudança, a cada transformação, o filme ganha estrutura, massa, peso, em resumo, o filme cresce. A sequência em que Hulk escapa da base e enfrenta o exército americano no deserto é delirante, não somente para quem leu em balões ilustrados por Frank Miller frases como “Hulk não quer ficar aqui!”, “Hulk não tem medo de soldados!”, “Hulk não precisa de ninguém!”, “Hulk odeia máquinas!”, “Hulk odeia Banner!” e “Hulk detesta homens de farda!”, mas também à geração que está sendo apresentada fidedigna e assustadoramente ao personagem.
Como se percebe, Hulk fala mais nos quadrinhos do que no cinema – apenas duas tímidas intervenções vocais. Entretanto, isso não afeta seu desempenho em cenas chave, como o momento de suave ternura entre a bela Jennifer Connelly e a fera esverdeada, na cena King Kong do ano.
Falando em seres perseguidos e alijados, a monstruosidade intrínseca e inexorável de Bruce Banner/Hulk nos remete à dicotomia de Larry Talbot/O lobisomem (1941). O paralelo: ambos são da Universal, o estúdio especialista em monstros. A licantropia e a criatura verde da Marvel trazem a metáfora da dupla personalidade. Larry Talbot e Bruce Banner se transformam em criaturas temíveis e imprevisíveis. Coincidência ou não, Hulk tem um Talbot: o almofadinha (Josh Lucas) que vive atormentando Bruce. Parte da crí¬tica descascou O lobisomem na época. Ontem como hoje: Hulk também está sendo ridiclarizado, entre outros motivos, pelos efeitos especiais.
Um diálogo de O lobisomem, do célebre roteirista Curt Siodmak, ajuda a situar o que penso de Hulk, filme com algumas falhas, alguns lapsos de fio de meada, algumas forçadas de barra, mas com a boa música de Danny Elfman, a direção consistente de Ang Lee, alfinetadas na febre militarista e, sobretudo, alguns trechos empolgantes de cinema puro. “Para certas pessoas, a vida é muito simples. Eles decidem: isto é bom, aquilo é mau; isto é errado, aquilo é certo. Não há bom e mau, não há certo e errado. Não há cinza e sombras, tudo é branco ou preto. Outros como nós acham que o bom, mau, certo e errado são coisas multifacetadas e complexas. Tentamos ver todos os lados. Porém quanto mais vemos, menos certeza temos.”
Transformado em cobaia, em objeto de estudo, atormentado pelo seu passado de criança adotada, perseguido por homenzinhos e máquinas, impiedosamente atacado como King Kong, cientificamente incompreendido como o lobisomem, o Hulk do cinema diz com os olhos o que o dos quadrinhos brada aos quatro ventos: “Hulk está cansado de fugir!”.
(Texto de junho de 2003.)
sexta-feira, agosto 05, 2011
Capitão América - o primeiro vingador
Steve Rogers (Chris Evans, que já interpretou outro super-herói, o Tocha Humana) é um jovem esmilinguido que sonha em entrar para o exército e lutar nas frentes de batalha. Persistente, já tentou se alistar em cinco cidades diferentes, mas não é aprovado no exame médico, por conta de uma série de problemas, como asma. O jovem cresceu no Brooklyn, acostumado a apanhar de guris maiores. Características de sua personalidade - a pertinácia aliada à coragem, a inteligência aliada à determinação - até fariam dele um promissor soldado. Nunca foge, sempre resiste. Nunca ataca primeiro, sempre se defende. Mas o empecilho é o físico esquelético. Nada que o dr. Abraham Erskine (Stanley Tucci) não resolva. O cientista vê em Rogers o potencial de se tornar um supersoldado justamente por seu temperamento bondoso e pacato. Assim, ele é recrutado para participar de uma "peneira". A tenente britânica Peggy Carter (Hayley Atwell) e o oficial turrão James Barnes (Tommy Lee Jones, como sempre interpretando a si próprio) fazem parte do grupo de avaliação.
Esse é o resumo dos primeiros vinte, trinta minutos de Capitão América - o primeiro vingador, o novo filme de Joe Johnston, diretor que estreou com Querida, encolhi as crianças (1989) e construiu um currículo estranho, em que predominam filmes de "fantasia" como Jumanji (1995), Jurassic Park 3 (2001, também roteirista) e O lobisomem (2010).
Sem arroubos de câmera e exibicionismos de estreante, com o comedimento que só a experiência proporciona, Johnston acaba se demonstrando a escolha ideal para a direção de Capitão América, o herói cuja arma principal sintomaticamente é um escudo. O roteiro contrabalança de modo saudável a ação trepidante e a tensão amorosa entre Peggy e Steve - e a "química" dos dois ajuda o filme a funcionar bem. No cômputo geral, Capitão América entra para o rol das boas adaptações fílmicas de histórias em quadrinhos.
Esse é o resumo dos primeiros vinte, trinta minutos de Capitão América - o primeiro vingador, o novo filme de Joe Johnston, diretor que estreou com Querida, encolhi as crianças (1989) e construiu um currículo estranho, em que predominam filmes de "fantasia" como Jumanji (1995), Jurassic Park 3 (2001, também roteirista) e O lobisomem (2010).
Sem arroubos de câmera e exibicionismos de estreante, com o comedimento que só a experiência proporciona, Johnston acaba se demonstrando a escolha ideal para a direção de Capitão América, o herói cuja arma principal sintomaticamente é um escudo. O roteiro contrabalança de modo saudável a ação trepidante e a tensão amorosa entre Peggy e Steve - e a "química" dos dois ajuda o filme a funcionar bem. No cômputo geral, Capitão América entra para o rol das boas adaptações fílmicas de histórias em quadrinhos.
quarta-feira, agosto 03, 2011
Senha 1 para Eraserhead
Uma pequena contextualização sobre este post. O blog olhar cinéfilo vai completar dez anos em 6 de abril de 2013. Aqui no blogger comecei a postar em dezembro de 2005. Os primeiros dois anos e meio do blog eu considerava perdidos, depois que o blog foi tirado do ar pelo weblogger, sem prévio aviso.
Há poucos dias tive uma grata surpresa: vislumbrei a possibilidade de resgatar os primeiros textos deste blog, perdidos pela traiçoeira ação do weblogger. No Internet Archive (http://www.archive.org/web/web.php) consegui efetivamente recuperar quase 80% dos textos! Pretendo em ocasiões pertinentes republicá-los esporadicamente. Como acabo de resenhar um livro que conta a trajetória de David Lynch, o repost abaixo vem bem a calhar.
domingo, 7 de dezembro de 2003
Senha 1 para ERASERHEAD
Eu estava lá. Uma e meia da tarde do domingo. Quando chega a minha vez de comprar o ingresso, o que acontece? It’s over. C’est fini. È finito. Como consolo, ganho uma senha, caso algum dos convidados venha a desistir. O número que aparece na senha é a minha esperança: 1.
18h50, lá vou eu, e não é que dei sorte? Troco a senha mais três reais por um ingresso escrito ERASERHEAD. Um troféu no meio das mais de 100 pessoas que estavam lá tentando entrar e ficaram de fora. A primeira sessão pública de Eraserhead no Brasil não podia ser diferente: disputada palmo a palmo, ainda mais na “cidade dos sonhos”, a cidade onde pululam cinéfilos das mais diferentes tribos: a querida e amada Porto Alegre.
Antes das luzes apagarem, uma radiografia na galera. Dos 15 aos 50. Brincos, tatoos, piercings, cabelos coloridos. Tinha gente normal, também. A meu lado um cara todo de preto com o xerox de um livro, ou melhor, um verdadeiro tratado, original em inglês, sobre “filmes da meia-noite”, Eraserhead sendo um deles. E as luzes se apagam.
O meio é o dvd, o formato não é o ideal, mas o que vale aqui não é a forma, e sim o conteúdo. Tão esperado, tão comentado, tão exaltado. Eraserhead, em qualquer guia de cinema que se preze, consta como cult. É chegada a hora de saber o que é que Eraserhead tem. Em que consiste, afinal, o primeiro longa-metragem do controverso diretor David Lynch – para uns, um gênio; para outros, um enganador.
Quem vota na primeira alternativa quer ver em Eraserhead o simbolismo selvagem de A estrada perdida, o romantismo perdido de Veludo azul, o céu azul de História real, o humor real de Coração selvagem, os sonhos delirantes de Twin Peaks, os delírios de Cidade dos sonhos, a ficção alucinante de Duna, a dura realidade de O homem elefante. Quem vota na segunda, quer motivo para alegar que Eraserhead é “superestimado”, cultuado sem motivo, badalado sem necessidade, no fundo, apenas, um exercício pretensioso de um jovem cineasta maluco.
Termina a sessão. Umas poucas palmas chochas. Vai ter um debate com um psicanalista. No, thanks. Uma experiência surreal, claustrofóbica e angustiante dessas, nem Freud explica. Cada um tire as suas próprias conclusões. E a minha, qual foi? Indicaria Eraserhead para alguém? Certamente não. 99,9% odiariam. Mas, para os lynchmaníacos, Eraserhead foi bastante revelador. Revela como Lynch, desde o começo, é perseguido pelas mesmas obsessões. Os personagens esquisitos, a fêmea fatal, a aberração, o palco que surge sem mais nem menos, os momentos de puro nonsense, os toques de humor sutil, os mergulhos perturbadores no mundo dos sonhos. Cenas engraçadas, cenas sufocantes, cenas surpreendentes, cenas chocantes. Tudo isso está em Eraserhead.
Por que, então, a quase decepção ao final? Por que não houve um aplauso entusiasmado? Por três motivos: primeiro, a expectativa exagerada. Um filme é um filme é um filme, como diria Gertrude Stein. Um filme de David Lynch é só isso. Um filme de David Lynch. Segundo, verdadeiros fãs de David Lynch não aplaudem. São céticos. Terceiro, filme de David Lynch não foi feito para ser aplaudido, nem entendido, nem debatido à luz da psicanálise. Foi feito para ser visto e gravado na retina ou descartado como lixo conforme o gosto de cada um.
Há poucos dias tive uma grata surpresa: vislumbrei a possibilidade de resgatar os primeiros textos deste blog, perdidos pela traiçoeira ação do weblogger. No Internet Archive (http://www.archive.org/web/web.php) consegui efetivamente recuperar quase 80% dos textos! Pretendo em ocasiões pertinentes republicá-los esporadicamente. Como acabo de resenhar um livro que conta a trajetória de David Lynch, o repost abaixo vem bem a calhar.
domingo, 7 de dezembro de 2003
Senha 1 para ERASERHEAD
Eu estava lá. Uma e meia da tarde do domingo. Quando chega a minha vez de comprar o ingresso, o que acontece? It’s over. C’est fini. È finito. Como consolo, ganho uma senha, caso algum dos convidados venha a desistir. O número que aparece na senha é a minha esperança: 1.
18h50, lá vou eu, e não é que dei sorte? Troco a senha mais três reais por um ingresso escrito ERASERHEAD. Um troféu no meio das mais de 100 pessoas que estavam lá tentando entrar e ficaram de fora. A primeira sessão pública de Eraserhead no Brasil não podia ser diferente: disputada palmo a palmo, ainda mais na “cidade dos sonhos”, a cidade onde pululam cinéfilos das mais diferentes tribos: a querida e amada Porto Alegre.
Antes das luzes apagarem, uma radiografia na galera. Dos 15 aos 50. Brincos, tatoos, piercings, cabelos coloridos. Tinha gente normal, também. A meu lado um cara todo de preto com o xerox de um livro, ou melhor, um verdadeiro tratado, original em inglês, sobre “filmes da meia-noite”, Eraserhead sendo um deles. E as luzes se apagam.
O meio é o dvd, o formato não é o ideal, mas o que vale aqui não é a forma, e sim o conteúdo. Tão esperado, tão comentado, tão exaltado. Eraserhead, em qualquer guia de cinema que se preze, consta como cult. É chegada a hora de saber o que é que Eraserhead tem. Em que consiste, afinal, o primeiro longa-metragem do controverso diretor David Lynch – para uns, um gênio; para outros, um enganador.
Quem vota na primeira alternativa quer ver em Eraserhead o simbolismo selvagem de A estrada perdida, o romantismo perdido de Veludo azul, o céu azul de História real, o humor real de Coração selvagem, os sonhos delirantes de Twin Peaks, os delírios de Cidade dos sonhos, a ficção alucinante de Duna, a dura realidade de O homem elefante. Quem vota na segunda, quer motivo para alegar que Eraserhead é “superestimado”, cultuado sem motivo, badalado sem necessidade, no fundo, apenas, um exercício pretensioso de um jovem cineasta maluco.
Termina a sessão. Umas poucas palmas chochas. Vai ter um debate com um psicanalista. No, thanks. Uma experiência surreal, claustrofóbica e angustiante dessas, nem Freud explica. Cada um tire as suas próprias conclusões. E a minha, qual foi? Indicaria Eraserhead para alguém? Certamente não. 99,9% odiariam. Mas, para os lynchmaníacos, Eraserhead foi bastante revelador. Revela como Lynch, desde o começo, é perseguido pelas mesmas obsessões. Os personagens esquisitos, a fêmea fatal, a aberração, o palco que surge sem mais nem menos, os momentos de puro nonsense, os toques de humor sutil, os mergulhos perturbadores no mundo dos sonhos. Cenas engraçadas, cenas sufocantes, cenas surpreendentes, cenas chocantes. Tudo isso está em Eraserhead.
Por que, então, a quase decepção ao final? Por que não houve um aplauso entusiasmado? Por três motivos: primeiro, a expectativa exagerada. Um filme é um filme é um filme, como diria Gertrude Stein. Um filme de David Lynch é só isso. Um filme de David Lynch. Segundo, verdadeiros fãs de David Lynch não aplaudem. São céticos. Terceiro, filme de David Lynch não foi feito para ser aplaudido, nem entendido, nem debatido à luz da psicanálise. Foi feito para ser visto e gravado na retina ou descartado como lixo conforme o gosto de cada um.
David Lynch
Escrito originalmente em francês pelo jornalista e cineasta Thierry Jousse, o perfil de David Lynch da coleção Masters of cinema da revista Cahiers du cinéma (Cadernos de cinema) foi transposto para a língua inglesa por Sarah Robertson e Imogen Forster. Em cento e poucas páginas, Jousse faz um apanhado da filmografia do cineasta, desde os experimentais curtas-metragens Six Men Getting Sick (1967), The Alphabet (1968) e The Grandmother (1970), passando pelo primeiro e acachapante longa, Eraserhead (1977), até o mais recente Inland Empire (2006). O autor enfatiza os motivos pelos quais David Lynch se tornou um diretor “cult” e demonstra com objetividade por que ele é um dos cineastas contemporâneos mais influentes.
Jousse esmiúça a trajetória lynchniana iniciada com Eraserhead, alegadamente o filme preferido de John Waters. O filme que teve sua primeira exibição pública no Brasil em dezembro de 2003 (e eu estava no lugar certo na hora certa) é decupado em todos os seus níveis. A obra, que serviu de “trabalho de conclusão de curso” do American Film Institute, foi concebida e gerada durante um período conturbado na vida pessoal de Lynch. Em 1974, ele se divorciou de Peggy Reavey, a mãe de Jennifer Lynch, nascida em 1968. Por um tempo Lynch chegou a morar no set de filmagens de Eraserhead. O livro conta também o obsessivo trabalho conjunto de Lynch e o engenheiro de som Alan Splet na concepção e gravação da trilha sonora do filme.
Depois de atrair atenção do circuito alternativo com seu filme de estreia, cujos atores relativamente desconhecidos iriam permear muitas de suas obras posteriores (como Jack Nance), logo no segundo longa-metragem David Lynch já dirigiu ninguém menos que Anthony Hopkins, John Hurt, John Gielgud e Anne Bancroft. A exemplo de Eraserhead, O homem elefante (1980) também foi filmado em preto e branco. Segundo Jousse, O homem elefante “acabou sendo o segundo filme ideal para o diretor; seu maior sucesso comercial e artístico até então, elogiado pelos críticos, mas de modo algum reduzindo sua condição de cineasta cult”.
As oito indicações para o Oscar recebidas por O homem elefante (mesmo sem levar nenhum) deram cacife para Lynch “escolher o próximo projeto”. Aqui um detalhe interessante: George Lucas convidou David Lynch para dirigir O retorno de Jedi. Mas o filme seguinte de Lynch seria também o seu maior fracasso: Dune (1984), adaptação do livro de Frank Herbert. De acordo com o autor Thierry Jousse, um dos poucos saldos positivos desse trabalho consistiu no surgimento de Kyle MacLachlan, ator que marcaria presença em obras fundamentais de Lynch (Veludo azul e a série televisiva Twin Peaks).
Insatisfeito com o resultado de Dune e com a perda de controle artístico no final cut de seu terceiro longa, Lynch retornou a fazer um filme de orçamento menor e em que pudesse manter o toque autoral do começo ao fim. O resultado: a perversão de Veludo azul (1986), que marca o início da união (não só em termos de cinema) com a atriz Isabela Rosselini. Como Dorothy Vallens em Veludo azul e Perdita Durango em Coração selvagem, Isabela se tornaria uma das musas imortais da obra de Lynch (a outra sendo, é claro, Laura Dern).
Thierry Jousse não considera Coração selvagem, vencedor da Palma de Ouro em Cannes 1990, um dos melhores filmes de Lynch. A melhor cena, para ele, é a do acidente. (Não há necessidade de, aqui, me estender sobre o que penso de Wild at heart: já soterrei a película de Lynch com os mais variados adjetivos neste post.)
Jousse então faz um link entre Coração selvagem e História real. Dois road movies, cada qual a seu estilo. O primeiro, mais urbano e movido a rock’n’roll, o segundo, completamente rural e revestido de música country. A aventura de Alvin Straight, que atravessa os Estados Unidos pilotando um minitrator cortador de grama para visitar o irmão doente, representa na filmografia de Lynch uma volta às origens, quando, na década de 1950, o pequeno David vivenciou as constantes mudanças geográficas da família, por conta da profissão do pai (pesquisador de biologia vinculado ao Ministério da Agricultura), atravessando, assim, diferentes regiões estadunidenses.
Naquela época da vida, a meta de David Lynch (nascido em 1946) era tornar-se pintor. Em 1964, ele chegou a fazer uma viagem à Europa para tentar de modo infrutífero tornar-se pupilo do expressionista Oskar Kokoschka. Em 1965, de volta aos EUA, matriculou-se na Academia de Belas Artes da Pensilvânia, na Filadélfia. Ao perceber as limitações da pintura (falta de movimento e de som), comprou uma câmera 16 mm e começou a fazer os primeiros curtas, até que em 1970 entrou numa escola de cinema, a AFI (American Film Institute), em Los Angeles.
Se Jousse “quebra” a cronologia ao abordar as raízes rurais de Lynch revisitadas em História real (1999) logo após a análise de Coração selvagem (1990), em seguida focaliza os trabalhos entre esses dois filmes.
No mesmo ano em que Coração selvagem foi lançado, Lynch realizou o piloto da série televisiva Twin Peaks, projeto que teve duas temporadas e trinta episódios. Lynch dirigiu o primeiro, o último e mais quatro. [As palavras gaguejantes de Pete Martel, o personagem que descobre o corpo de Laura Palmer, até hoje ressoam em meu cérebro: “Lucy, this is Pete Martel. Put Harry on the horn.” Harry, o xerife, pega o fone e escuta estarrecido: “She’s dead... wrapped in plastic”.]
Lynch ainda viria a encerrar o assunto (ou dar mais pano para manga) com o longa-metragem Twin Peaks: Fire Walks With Me (1992). Aqui, mais uma “novidade” em termos da mudança do viés crítico. No lançamento esse filme teve recepção fria da crítica. Quase vinte anos depois, segundo Thierry Jousse, a obra vem sendo reavaliada e considerada com mais cuidado. Lynch, ao lidar com temas como incesto e puritanismo, “mergulha fundo na alma estadunidense”.
O outro produto da década de 1990 é A estrada perdida (1997), no qual, nas palavras de Jousse, Lynch tenta uma espécie de “contato hipersensorial” com a plateia. O autor realça as influências de Hitchcock nesse filme, como o clima de pesadelo de Um corpo que cai. E define Lost Highway: “Profundamente erótico, universal e ressonante. Um dos filmes mais contundentes de Lynch”.
O último capítulo do livro, com o sintomático título “Hollywood Turned Upside Down”, é dedicado a investigar Cidade dos sonhos (Mulholland Drive, 2001) e o digital Império dos sonhos (Inland Empire, 2006).
Jousse esmiúça a trajetória lynchniana iniciada com Eraserhead, alegadamente o filme preferido de John Waters. O filme que teve sua primeira exibição pública no Brasil em dezembro de 2003 (e eu estava no lugar certo na hora certa) é decupado em todos os seus níveis. A obra, que serviu de “trabalho de conclusão de curso” do American Film Institute, foi concebida e gerada durante um período conturbado na vida pessoal de Lynch. Em 1974, ele se divorciou de Peggy Reavey, a mãe de Jennifer Lynch, nascida em 1968. Por um tempo Lynch chegou a morar no set de filmagens de Eraserhead. O livro conta também o obsessivo trabalho conjunto de Lynch e o engenheiro de som Alan Splet na concepção e gravação da trilha sonora do filme.
Depois de atrair atenção do circuito alternativo com seu filme de estreia, cujos atores relativamente desconhecidos iriam permear muitas de suas obras posteriores (como Jack Nance), logo no segundo longa-metragem David Lynch já dirigiu ninguém menos que Anthony Hopkins, John Hurt, John Gielgud e Anne Bancroft. A exemplo de Eraserhead, O homem elefante (1980) também foi filmado em preto e branco. Segundo Jousse, O homem elefante “acabou sendo o segundo filme ideal para o diretor; seu maior sucesso comercial e artístico até então, elogiado pelos críticos, mas de modo algum reduzindo sua condição de cineasta cult”.
As oito indicações para o Oscar recebidas por O homem elefante (mesmo sem levar nenhum) deram cacife para Lynch “escolher o próximo projeto”. Aqui um detalhe interessante: George Lucas convidou David Lynch para dirigir O retorno de Jedi. Mas o filme seguinte de Lynch seria também o seu maior fracasso: Dune (1984), adaptação do livro de Frank Herbert. De acordo com o autor Thierry Jousse, um dos poucos saldos positivos desse trabalho consistiu no surgimento de Kyle MacLachlan, ator que marcaria presença em obras fundamentais de Lynch (Veludo azul e a série televisiva Twin Peaks).
Insatisfeito com o resultado de Dune e com a perda de controle artístico no final cut de seu terceiro longa, Lynch retornou a fazer um filme de orçamento menor e em que pudesse manter o toque autoral do começo ao fim. O resultado: a perversão de Veludo azul (1986), que marca o início da união (não só em termos de cinema) com a atriz Isabela Rosselini. Como Dorothy Vallens em Veludo azul e Perdita Durango em Coração selvagem, Isabela se tornaria uma das musas imortais da obra de Lynch (a outra sendo, é claro, Laura Dern).
Thierry Jousse não considera Coração selvagem, vencedor da Palma de Ouro em Cannes 1990, um dos melhores filmes de Lynch. A melhor cena, para ele, é a do acidente. (Não há necessidade de, aqui, me estender sobre o que penso de Wild at heart: já soterrei a película de Lynch com os mais variados adjetivos neste post.)
Jousse então faz um link entre Coração selvagem e História real. Dois road movies, cada qual a seu estilo. O primeiro, mais urbano e movido a rock’n’roll, o segundo, completamente rural e revestido de música country. A aventura de Alvin Straight, que atravessa os Estados Unidos pilotando um minitrator cortador de grama para visitar o irmão doente, representa na filmografia de Lynch uma volta às origens, quando, na década de 1950, o pequeno David vivenciou as constantes mudanças geográficas da família, por conta da profissão do pai (pesquisador de biologia vinculado ao Ministério da Agricultura), atravessando, assim, diferentes regiões estadunidenses.
Naquela época da vida, a meta de David Lynch (nascido em 1946) era tornar-se pintor. Em 1964, ele chegou a fazer uma viagem à Europa para tentar de modo infrutífero tornar-se pupilo do expressionista Oskar Kokoschka. Em 1965, de volta aos EUA, matriculou-se na Academia de Belas Artes da Pensilvânia, na Filadélfia. Ao perceber as limitações da pintura (falta de movimento e de som), comprou uma câmera 16 mm e começou a fazer os primeiros curtas, até que em 1970 entrou numa escola de cinema, a AFI (American Film Institute), em Los Angeles.
Se Jousse “quebra” a cronologia ao abordar as raízes rurais de Lynch revisitadas em História real (1999) logo após a análise de Coração selvagem (1990), em seguida focaliza os trabalhos entre esses dois filmes.
No mesmo ano em que Coração selvagem foi lançado, Lynch realizou o piloto da série televisiva Twin Peaks, projeto que teve duas temporadas e trinta episódios. Lynch dirigiu o primeiro, o último e mais quatro. [As palavras gaguejantes de Pete Martel, o personagem que descobre o corpo de Laura Palmer, até hoje ressoam em meu cérebro: “Lucy, this is Pete Martel. Put Harry on the horn.” Harry, o xerife, pega o fone e escuta estarrecido: “She’s dead... wrapped in plastic”.]
Lynch ainda viria a encerrar o assunto (ou dar mais pano para manga) com o longa-metragem Twin Peaks: Fire Walks With Me (1992). Aqui, mais uma “novidade” em termos da mudança do viés crítico. No lançamento esse filme teve recepção fria da crítica. Quase vinte anos depois, segundo Thierry Jousse, a obra vem sendo reavaliada e considerada com mais cuidado. Lynch, ao lidar com temas como incesto e puritanismo, “mergulha fundo na alma estadunidense”.
O outro produto da década de 1990 é A estrada perdida (1997), no qual, nas palavras de Jousse, Lynch tenta uma espécie de “contato hipersensorial” com a plateia. O autor realça as influências de Hitchcock nesse filme, como o clima de pesadelo de Um corpo que cai. E define Lost Highway: “Profundamente erótico, universal e ressonante. Um dos filmes mais contundentes de Lynch”.
O último capítulo do livro, com o sintomático título “Hollywood Turned Upside Down”, é dedicado a investigar Cidade dos sonhos (Mulholland Drive, 2001) e o digital Império dos sonhos (Inland Empire, 2006).
Leitor, conte as fotos acima. Sim. Toda a filmografia de Lynch cabe em duas mãos. Dez filmes que mudaram o cinema para sempre, debatidos com maestria por quem entende do riscado.
JOUSSE, Thierry. David Lynch. Paris: Cahiers du cinéma Sarl, 2010.
Tradução (do francês para o inglês) de Sarah Robertson e Imogen Forster.
JOUSSE, Thierry. David Lynch. Paris: Cahiers du cinéma Sarl, 2010.
Tradução (do francês para o inglês) de Sarah Robertson e Imogen Forster.
segunda-feira, agosto 01, 2011
Os pinguins do papai
Richard Atwater (1892-1848), jornalista e professor de grego clássico, quando sofreu um ataque de embolia pulmonar em 1934 já havia publicado uma série de livros. Depois do problema de saúde não pôde mais falar nem escrever. Contudo, pouco antes, ele escrevera um manuscrito intitulado Ork! The Story of Mr. Popper's Penguins, supostamente inspirado num documentário sobre a expedição de Richard Byrd à Antártica. Com o marido fora de combate, eis que Florence Atwater (1896-1979) entra em cena para sustentar a família (além do marido, a filha Doris e o filho Carroll) como professora do ensino médio (francês, inglês e latim). Foi dela também a iniciativa de submeter os originais de Mr. Popper's Penguins a duas editoras, que recusaram solenemente. Então Florence, que também dava seus pitacos literários, deu uma recauchutada no texto, tornando-o mais suave e bem-humorado (imagino eu).O fato é que em 1938 a Little Brown publicou a nova versão. O livro emplacou e teve sucesso instantâneo - e duradouro. Recebeu várias láureas literárias e tornou-se um preferido das crianças de várias gerações.
Foi traduzido para inúmeras línguas e adaptado ao teatro.
Agora, com Jim Carrey no papel de Mr. Popper, ganha uma versão cinematográfica.
Não tenho informações sobre quão "fiel" o roteiro do filme é à história do livro; imagino que os roteiristas tenham tomado muitas liberdades. Independentemente disso, sempre uma adaptação fílmica acaba contribuindo para um "revival" do interesse pelo livro, num saudável círculo virtuoso.
O corretor imobiliário sr. Popper tenta reconquistar a ex-mulher Amanda (Carla Gugino) e também ser um melhor pai de Janie (Madeleine Carroll) e Billy (Maxwell Perry Cotton). Neste meio-tempo, tenta convencer a proprietária de um restaurante localizado em pleno Central Park a vender o imóvel. Como se não bastassem os desafios familiares e profissionais, surge(m) outro(s) pequeno(s) contratempo(s): Capitão, Fedor, Dengo, Bicão, Matraca e Lesado, seis adoráveis e personalíssimos pinguins recém-chegados, em duas remessas, diretamente da Antártica.
Em noventa e poucos minutos, Os pinguis do papai se metem numa série de confusões em plena Nova York: passeam no parque, fogem de casa e vão parar numa festa no museu Guggenheim, e, sobretudo, tentam fugir das garras do especialista em pinguins que insiste em levá-los ao zoológico.Jim Carrey é um palhaço nato, o que garante risadas, se não convulsivas, ao menos constantes.Nos créditos os produtores afirmam que nenhum pinguim se machucou nas filmagens, mas que o mesmo não pode ser dito sobre Jim Carrey, que foi "mercilessly bitten".
Vermelho, branco & azul
Vencedor da competição internacional do Fantaspoa.
O título do filme remete às cores estadunidenses (um dos protagonistas nas cenas finais usa uma camisa com a bandeira dos EUA costurada às costas). Também nos permite fazer um remoto intertexto com a trilogia do polonês Krzysztof Kieslowski (Três cores: azul, branco e vermelho), mas a evocação é artificial e inadequada. O diretor britânico Simon Rumley cai na tentação do apelativo.
O cenário é Austin, Texas.
A estrutura é meio tragédia em três atos. O primeiro ato aborda a rotina devassa de Erica (Amanda Fuller), moça que sempre anda com as pernas de fora e transa a torto e a direito com desconhecidos sem usar preservativos. Essa primeira parte também mostra o carinho que o calado Nate (Noah Taylor) cultiva por Erica - os dois habitam a mesma pensão. A princípio, ela o despreza, mas depois aceita a ajuda dele para conseguir um novo emprego.
No segundo ato dessa tragédia anunciada, o protagonista é Franki (Mark Senter), guitarrista de uma banda de rock. O espectador mais atento vai lembrar que ele aparece no comecinho do filme - é um dos caras que aproveita a política de "amor livre" de Erica. Aqui o roteiro focaliza a vida de Franki: a banda de garagem cujo cd alcança a marca de mil cds vendidos, a mãe que luta contra o câncer, a namoradinha que depois de uma aventura volta com o rabo entre as pernas. Até aqui o filme demonstra qualidades tanto na edição quanto na direção. E continua mostrando, só que a serviço do sensacionalismo e da exploração da imagem de uma criança.
Não vou entrar em detalhes sobre o terceiro e último ato. Apenas mencionar que a tônica será de vingança e contravingança. E dizer que gostaria muito de elogiar a direção contida de Simon Rumley, sua competência no estudo das tomadas, sua interessante premissa de montagem. Mas, como eu já disse, uma sequência jogou toda essa habilidade na vala comum do - atualmente em voga - uso de crianças em filmes ditos "extremos". Não há explicação nem justificativa para inserir uma criança inocente no meio desse bacanal de tortura.
Em outras palavras, a coisa estava indo bem até uma altura, mas de repente o filme perdeu a credibilidade comigo, pois, de modo gratuito e injustificável, incluiu (como está se tornando habitual entre diretores que pretendem "chocar" a plateia) uma criança no meio.
Sinceramente, sou do tempo em que se respeitavam certos códigos, até mesmo nos gêneros "fantástico", "horror" e "terror". De uns tempos para cá, porém, filmes com pretensas aspirações artísticas mostram sem pudor crianças sendo torturadas física e mentalmente. Estamos na era do vale tudo. E o que antes era considerado de mau gosto, hoje é sinônimo de "coragem" e "ousadia" dos realizadores e motivo de premiação.
Numa análise fria, Vermelho, branco & azul tem qualidades em seu processo artesanal que o credenciam a vencer festivais e ser incensado como cult. O personagem interpretado por Noah Taylor, o mais bem construído do filme, pode ser alvo de muitos debates. Sem dúvida, o diretor Simon Rumley não é nenhum iniciante. Tem no currículo filmes merecedores de atenção (por exemplo, o premiado, cultuado e incensado Distúrbio fatal). Talvez o objetivo de Rumley tenha sido mostrar que um torturador não tem limites. Por sinal, "terror sem limites" é o subtítulo de outro filme que se utiliza de crianças para chocar a plateia.
O título do filme remete às cores estadunidenses (um dos protagonistas nas cenas finais usa uma camisa com a bandeira dos EUA costurada às costas). Também nos permite fazer um remoto intertexto com a trilogia do polonês Krzysztof Kieslowski (Três cores: azul, branco e vermelho), mas a evocação é artificial e inadequada. O diretor britânico Simon Rumley cai na tentação do apelativo.
O cenário é Austin, Texas.
A estrutura é meio tragédia em três atos. O primeiro ato aborda a rotina devassa de Erica (Amanda Fuller), moça que sempre anda com as pernas de fora e transa a torto e a direito com desconhecidos sem usar preservativos. Essa primeira parte também mostra o carinho que o calado Nate (Noah Taylor) cultiva por Erica - os dois habitam a mesma pensão. A princípio, ela o despreza, mas depois aceita a ajuda dele para conseguir um novo emprego.
No segundo ato dessa tragédia anunciada, o protagonista é Franki (Mark Senter), guitarrista de uma banda de rock. O espectador mais atento vai lembrar que ele aparece no comecinho do filme - é um dos caras que aproveita a política de "amor livre" de Erica. Aqui o roteiro focaliza a vida de Franki: a banda de garagem cujo cd alcança a marca de mil cds vendidos, a mãe que luta contra o câncer, a namoradinha que depois de uma aventura volta com o rabo entre as pernas. Até aqui o filme demonstra qualidades tanto na edição quanto na direção. E continua mostrando, só que a serviço do sensacionalismo e da exploração da imagem de uma criança.
Não vou entrar em detalhes sobre o terceiro e último ato. Apenas mencionar que a tônica será de vingança e contravingança. E dizer que gostaria muito de elogiar a direção contida de Simon Rumley, sua competência no estudo das tomadas, sua interessante premissa de montagem. Mas, como eu já disse, uma sequência jogou toda essa habilidade na vala comum do - atualmente em voga - uso de crianças em filmes ditos "extremos". Não há explicação nem justificativa para inserir uma criança inocente no meio desse bacanal de tortura.
Em outras palavras, a coisa estava indo bem até uma altura, mas de repente o filme perdeu a credibilidade comigo, pois, de modo gratuito e injustificável, incluiu (como está se tornando habitual entre diretores que pretendem "chocar" a plateia) uma criança no meio.
Sinceramente, sou do tempo em que se respeitavam certos códigos, até mesmo nos gêneros "fantástico", "horror" e "terror". De uns tempos para cá, porém, filmes com pretensas aspirações artísticas mostram sem pudor crianças sendo torturadas física e mentalmente. Estamos na era do vale tudo. E o que antes era considerado de mau gosto, hoje é sinônimo de "coragem" e "ousadia" dos realizadores e motivo de premiação.
Numa análise fria, Vermelho, branco & azul tem qualidades em seu processo artesanal que o credenciam a vencer festivais e ser incensado como cult. O personagem interpretado por Noah Taylor, o mais bem construído do filme, pode ser alvo de muitos debates. Sem dúvida, o diretor Simon Rumley não é nenhum iniciante. Tem no currículo filmes merecedores de atenção (por exemplo, o premiado, cultuado e incensado Distúrbio fatal). Talvez o objetivo de Rumley tenha sido mostrar que um torturador não tem limites. Por sinal, "terror sem limites" é o subtítulo de outro filme que se utiliza de crianças para chocar a plateia.
Assinar:
Postagens (Atom)