Com a conquista do Oscar e da Palma de Ouro em Cannes, Anora se junta ao clube seleto de três filmes que fizeram essa façanha: Lost Weekend (Farrapo humano, 1946), Marty (1955) e Parasita (2019).E agora que o filme entrou no Prime Video na categoria "Incluído no Prime", sem custos adicionais, eu, na condição de cinéfilo que acompanha ambos os prêmios, tive de conferir, não sem uma grande expectativa.
A decepção foi, contudo, inevitável.
Trata-se de um filme que em raríssimos momentos conseguiu me envolver, um filme cujo roteiro fraco tem diálogos tacanhos e cenas que não funcionam, um filme cujos personagens sem carisma não permitem uma identificação, um filme, enfim, que não merecia ter vencido a Palma de Ouro e muito menos o Oscar.
Uma hype e um diretor badalado então provocaram uma histeria coletiva que gerou essas premiações?
Eu que sou um cinéfilo ultrapassado e anti-humanista, afinal de contas, o cinema de Sean Baker é humano, demasiadamente humano?
Eu que não entendi a proposta, que não achei graça em cenas incrivelmente divertidas, que não percebi o humor por trás do tétrico, o profundo por trás do raso, o filosófico por trás do previsível?
O filme foi passando e eu não conseguia acreditar em meus olhos: como este filme ruim ganhou os dois maiores prêmios do cinema? Qual o futuro do cinema como arte se a enganação é marca do cinema atual?
Sean Baker é o maior enganador da história.
Fez uma cena bem-feita (a última) e achou que isso consertaria um amontoado de cenas malfeitas.
Pelo jeito conseguiu enganar muita gente, de críticos a pessoas que votam em Cannes e na Academia.
A vitória da atriz esforçada e iniciante Mikey Madison é um acinte, levando em conta as concorrentes brilhantes, Demi Moore e Fernanda Torres, em filmes muito mais significativos.
O emblema de Anora é o personagem Vanya, o apelido de Ivan, o personagem mais ridículo de todos os tempos do cinema, e como a personagem principal consegue "se apaixonar" por um babaca tão grande é que é a pergunta que não quer calar.
É como se o coitadismo da situação vulnerável de Anora servisse como justificativa para que ela transformasse uma relação de uma semana, em que o mancebo filhinho-de-papai-oligarca-russo a contratou para ser sua "namorada" em uma viagem com amigos tão idiotas quanto ele próprio, para participar de festas idiotas com músicas idiotas e drogas idiotas, em um conto de fadas. E como se o dinheiro do namoradinho rico a impedisse de ver o babaca que ele era, ou que só porque alguém lhe presenteia com um anel caro esse certo alguém se transforme em um príncipe encantado.
Os personagens de Sean Baker são patéticos, incoerentes e profundamente odiáveis.
Você não consegue criar empatia por ninguém até a última cena, quando talvez surja um pouco de simpatia por um personagem que até então oscilou entre o truculento, o violento e o asqueroso.
As cenas vão se sucedendo, uma após a outra, e a raiva só aumenta, porque nada faz sentido, culminando com o instante em que os "babás" de Vanya entram em ação, um senhor das antigas e seus dois capangas trapalhões e atrapalhados.
Menos pior que outros mundo afora reagiram como eu ao assistir à "obra-prima" de Baker.
Em dezembro de 2024, Elena Ringo classificou Anora como "A vulgar ass-ault on cinema". Em sua carta aberta a Sean Baker, The Sunshine Man menciona a acusação de plágio e que daqui a 5 anos ninguém estará falando de Anora.
É esta a mesma sensação que eu tive ao ver Anora, a de estar vendo um filme descartável, com muito sexo explícito e pouca densidade.
É como se no mundo de hoje querer gostar de algo fosse suficiente para dar consistência a algo.
Mas por mais que alguém se esforce para gostar de Anora, a personagem, ou de Anora, o filme, o mais que a gente consegue é ter pena de ambos.
Anora é uma menina perdida que aparentemente se deixou desumanizar pelo sistema em que está inserida, mas um filme que usa isso como artifício para justificar suas fraquezas comete um "golpe baixo". É como se eu ao declarar aqui que não gostei de Anora (o filme), eu estivesse declarando a minha insensibilidade pela situação das Anoras mundo afora.
Não é verdade, tanto que reconheço a força da cena final, mas, como eu disse, não tem como uma cena, por mais boa e comovente que seja, consertar todas as cenas grotescas que vieram antes.
Filmes vencedores da Palma de Ouro são filmes imortais, que não envelhecem, filmes da estirpe de Coração selvagem, Os guarda-chuvas do amor e O espantalho. Filmes que podem ser vistos e revistos e que ainda hoje encantam e emocionam.
E vencedores do Oscar de Melhor Filme são em geral épicos e inesquecíveis, grandiosos, obras-primas indiscutíveis do cinema, tradição que se cristaliza em títulos como A lista de Schindler, Titanic e Um estranho no ninho.
A premiação do caquético Anora desvitaliza esses dois prêmios de uma forma que o cinema jamais vai se recuperar.
O futuro dirá se vivemos em 2024 e 2025 uma insanidade no mundo das avaliações cinematográficas, em que um filme ruim ganhou dois prêmios importantes, revelando o quanto o cinema está à mercê de hypes e das redes sociais, e o quanto a ânsia de "causar" e a vontade de receber "likes" superam o trabalho honesto e o talento verdadeiro.
Ou se os detratores de Anora são uns retrógrados incapazes de reconhecer a genialidade no trivial.