sexta-feira, dezembro 26, 2008

Mamma Mia!

O Cine Brasília é um herói da resistência. Encravado no meio do planalto gaúcho, sua bilheteria (muitas vezes capitaneada pelo próprio dono) se abre na calçada da gloriosa Av. Flores da Cunha, da gloriosa cidade de Carazinho.
É, portanto, um dos últimos e remanescentes "cinemas de rua" dessas plagas distantes demais das capitais. Depois de décadas recebendo multidões que assistiam abismadas filmes como Guerra nas Estrelas, Super-Homem (em que a fila dava a volta na quadra) e Alien, o Oitavo Passageiro, o Brasília encerra 2008 e entra em 2009 firme e forte. Claro, a capacidade diminuiu. Hoje a platéia fica no que antes era o mezanino. Já os funcionários (o porteiro e o projetista-lanterninha) são os mesmos há trinta ou quarenta anos. Só o vendedor de balas mudou. E o pipoqueiro se aposentou. Agora as pipocas são estouradas na hora... no microondas da bomboniere. Dá orgulho de ser carazinhense e poder assistir de vez em quando bons filmes no Brasília.

É o caso de Mamma Mia! da diretora Phyllida Lloyd, que pude conferir na resiliente e histórica tela do Brasília. O filme conta a história de Sophie (Amanda Seyfried), que mora com a mãe numa ilha grega. Sophie está empolgada, pois vai se casar. A alegria só não é completa pois ela não tem quem a conduza ao altar: a mãe é solteira e nunca revelou quem é o pai. Antes do casamento, a moça acha o diário da mãe. O diário conta que Donna (Meryl Streep, fonte de juventude) conheceu (inclusive no sentido bíblico) três homens cerca de nove meses antes de Sophie nascer. Então Sophie convida à festa os três prováveis pais: Sam (Pierce Brosnan), Harry (Colin Firth) e Bill (Stellan Skarsgard). O roteiro é mero veículo para as atmosféricas canções do Abba, cantadas pelo próprio elenco. O modo com que as letras se encaixam no roteiro é no mínimo engenhoso. Divertida alternativa de verão.

domingo, novembro 30, 2008

Queime depois de ler

Filme sobre a ridicularidade do ser humano. Filme sobre a banalidade das relações. Filme sobre a inutilidade de órgãos oficiais. Filme sobre a vaidade feminina. Filme sobre a veleidade masculina. Filme sobre a infidelidade feminina e masculina. Filme sobre a previsibilidade do ser humano. Filme sobre a complexidade das relações. Filme sobre a necessidade de exercícios físicos. Filme sobre a frieza feminina. Filme sobre a superficialidade masculina. Filme sobre a fraqueza feminina e masculina.
Filme sobre Harry Pfarrer (George Clooney), Linda Litzke (Frances McDormand), Chad Feldheimer (Brad Pitt), Osborne Cox (John Malkovich) e Katie Cox (Tilda Swinton). Filme sobre a eficiência de reunir um elenco. Filme sobre a versatilidade dos atores. Filme sobre a criatividade do roteiro. Filme sobre a genialidade dos realizadores. Filme dos irmãos Coen.

domingo, novembro 16, 2008

007 - Quantum of Solace (Quanto solaço)

Pelo que pesquisei no google pouca gente sabe o que significa Quantum of Solace. Nem mesmo um dos roteiristas, o oscarizado e ubíquo Paul Haggis. O onipresente Haggis declarou a jornalistas: esse não era o título de sua escolha. Ao que consta, a expressão aparece num dos livros de Ian Fleming para definir o tênue grau de conforto existente numa relação amorosa. "(...) um número exato que define o conforto, a humanidade e o sentimento de amizade necessários entre duas pessoas para o amor perdurar. Sem quantum of solace, o amor está morto". Talvez os produtores tenham achado o título dos roteiristas muito comercial e tenham resolvido complicar ou sofisticar um pouquinho. Ou talvez eles queiram disfarçar no título pomposo a série de erros cometidos na realização de Quanto Solaço.



Main Entry: quan·tum
Pronunciation: \ˈkwän-təm\
Function: noun
Inflected Form(s): plural quan·ta
\ˈkwän-tə\
Etymology: Latin, neuter of quantus how much
Date: 1567
1 a:
quantity , amount b: portion , part c: gross quantity : bulk2 a: any of the very small increments or parcels into which many forms of energy are subdivided b: any of the small subdivisions of a quantized physical magnitude (as magnetic moment)

Fora o engano de escolher um título tão enigmático que nem os próprios roteiristas têm idéia do que se trata, o erro que mais salta aos olhos no novo filme de 007 é de 'miscasting'. Fique tranqüilo/a, não é de Daniel Craig que estou falando. Nem tampouco de Gemma Arterton, que interpreta a ruiva agente Fields, muito menos de Olga Kurylenko, que encarna Camille. Nem de Jeffrey Wright (o agente da CIA Felix Leiter, um dos poucos acertos do roteiro). Refiro-me a Mathieu Amalric, ator gentil e clássico, capaz de comover mexendo apenas um olho (ver abaixo comentário sobre O escafandro e a borboleta), escalado aqui como o vilão Dominic Greene. Carismático nas cenas de diálogo, mas não o tipo de ator para confrontos físicos. E contra Daniel Craig, então, torna-se até ridículo e sem graça uma luta. Mas é esse o 'clímax' do filme: um 'violento e emocionante' combate entre o brucutu, o brutamontes, o neandertal Craig contra o nanico, o mirrado, o esmilingüido Amalric. Não, não me venham dizer que isso é detalhe. Mesmo se fosse, Deus está nos detalhes, já disse um arquiteto famoso. E não me venham dizer também que estou cometendo spoiler, pois todo filme de 007 tem um confronto final entre ele e o vilão, ou o capanga do vilão. Pois até nisso houve miscasting: o capanga também é magricela e pateta.



Main Entry: solace
Function: noun
Etymology: Middle English solas, from Anglo-French, from Latin solacium, from solari to console
Date: 14th century
1 : alleviation of grief or anxiety 2 : a source of relief or consolation

Esses produtores estão ficando previsíveis demais. Pegam um dos melhores diretores atuais, Marc Forster para ser mais exato (2004, Finding Neverland; 2005, Stay; 2006, Mais estranho que a ficção; e 2007, O caçador de pipas), para dar credibilidade e algum estilo (a propósito, seria curioso saber que cenas ele dirigiu, já que a maioria das cenas tem o perfil de terem sido filmadas pelo 'diretor de segunda unidade', por serem cenas específicas de ação). Contratam roteiristas promissores e pelo menos um renomado (Paul Haggis), também para dar um ar de 'puxa, a história deve ser interessante, afinal o roteirista escreveu e dirigiu Crash' (mas em compensação cometeu No vale das sombras). Temperam isso tudo com duas mulheres longilíneas e o resultado da equação deve ser um novo sucesso de bilheteria.


Sucesso de bilheteria à parte, desta vez o pudim perdeu a forma, pois a trama de Haggis e companhia é por demais forçada e descabida. Esses roteiristas partem do princípio que o cérebro do espectador é um depósito de lixo bem grande, capaz de receber montanhosas doses de besteirol, com pretensas críticas políticas embutidas e pretensas piadas. Haggis é o roteirista mais pretensioso da atualidade. E não se recicla, todo filme que ele assina é invólucro das mesmíssimas idéias. Se ainda não viu Quantum of solace: cuidado com a insolação.

sábado, novembro 08, 2008

Em busca da vida

Consta que o diretor Jia Zhang-ke era pintor antes de dedicar-se ao cinema. Em busca da vida pinta com tintas soturnas uma China em literal demolição. Prédios demolidos em locais em breve inundados por uma barragem. Vidas demolidas pela incompreensão e pelo desamor. Uma sociedade desarticulada em processo de desconstrução, face às exigências do "mundo globalizado". Uma China na corda bamba (como os demais países do BRIC, grupo de países emergentes que inclui também o Brasil, a Rússia e a Índia), oscilando entre a revolução tecnológica e o uso de métodos que privilegiam a mão de obra barata.

Pois é como trabalhador no ramo das demolições que Han (Han Sanming) consegue emprego enquanto procura localizar a esposa e a filha que não vê há dezesseis anos. História inserida dentro da história principal é a de Shen (Zhao Tao), outra pessoa em busca de alguém, no caso o marido que a deixou numa província para trabalhar num centro maior e parou de mandar notícias. Sempre bebericando água de uma garrafa plástica, não sossega até encontrar o marido. Mas o filme centra-se mesmo na saga de Han. Na jornada em busca da filha, conhece pessoas como o dono da pensão desalojado devido às demolições e o simpático colega de trabalho que acaba soterrado no meio dos entulhos.

Com fotografia opressiva, toques non-sense e falta de pressa em contar a (?) história, Jia Zhang-ke ostenta o posto de um dos "mais importantes cineastas mundiais". Talvez o mais correto fosse rotulá-lo como um dos "mais engajados cineastas mundiais". Que os recursos artísticos utilizados pelo diretor (lentidão, poucas cores, escuridão, ausência de fatos relevantes no enredo) atingem seus objetivos não há dúvida.

A China pintada por ele é uma China de prédios em demolição, vales inundados, pessoas enganadas, trabalhadores explorados com baixos salários e sem o mínimo de segurança, esposas compradas. Uma China em que prevalecem sentimentos como o desamor e a intolerância. Uma China sem esperança. Uma China cuja globalização parece faltar a "face humana", apregoada pelo indiano Jagdish Bhagwati na obra Em defesa da globalização.

REM in POA: Living well is the best revenge


A quinta-feira dia 6 de novembro amanheceu nublada em Porto Alegre. Em alguns pontos da cidade uma fina cerração dava lugar a uma chuva tímida. Tudo levava a crer que poderia chover e estragar as condições do gramado. Mas, para a felicidade geral da nação roqueira, o tempo clareou, e quinze mil felizardos presenciaram o show do R.E.M. no campo do Zequinha (Esporte Clube São José, fundado em 1913 e considerado o time "mais simpático" do RS).

Os colorados torciam para o seu time, que naquela mesma hora enfrentava o Boca Juniors da Argentina pela Copa Sul-Americana. Os gremistas secavam o Inter. Mas todos sem exceção esperavam ansiosos os primeiros acordes da guitarra de Peter Buck, do baixo de Mike Mills e das abençoadas cordas vocais de Michael Stipe.

Abre parênteses. O que faz do R.E.M. uma banda tão apreciada pelos fãs e até mesmo pelos não-fãs, o 'público em geral'? Talvez eles estejam para o rock como o Zequinha está para o futebol gaúcho, ou seja, uma banda que mesmo sem querer agrada a gregos e a troianos, ou pelo menos não desagrada. E volta e meia emplacam hits inesquecíveis e quase unânimes, como é o caso de Imitation of Life e Losing (e não 
"Loosing", como saiu no Correio do Povo!) My Religion, para citar apenas dois exemplos. Fecha parênteses.

Bem, o fato é que às 20 horas e trinta, lá estava eu em companhia da mãe de meu filho de treze meses (que ficou aos cuidados da supervovó) na quilométrica fila para entrar no estádio. Fomos de táxi, por isso aproveitamos para comprar cervejas. 473 ml para cada um depois, adentrávamos no modesto mas (novamente) simpático estádio do Zequinha, que certamente depois deste show tornar-se-á um dos locais do circuito rock porto-alegrense. Tudo preparado, o show de abertura começa, com o Nenhum de nós tocando, entre outras, Camila e Paz e amor. In the meantime, começa o jogo do Inter na Bombonera. O vocalista do Nenhum de nós declara que o R.E.M. é a banda predileta deles. Entonces, com a platéia devidamente aquecida, eles saem e os roadies desmontam a bateria da banda gaúcha.

Como vai ser o show? Qual será o setlist? Melhor que o do Rock in Rio 3, em 2001? Repleto de hits, um show pop? Ou mais direcionado aos fãs de carteirinha, que conhecem as músicas mais obscuras? Ou um meio-termo? Em que situação eu me enquadraria, by the way? Tenho todos os álbuns da banda, mas confesso que escutei pouco alguns deles. Por outro lado, domino bem alguns discos relativamente desconhecidos, como Life's Rich Pageant, de 1986 (o nome desse disco é uma expressão idiomática; 'be part of life's rich pageant/tapestry'; difficult experiences are part of our lives' rich tapestry). Mas felizmente nossa vida é feita de retalhos bons também. Como, por exemplo, ficar imaginando quais canções serão escolhidas de um fantástico repertório.


Living Well is the Best Revenge, a faixa de abertura do recente Accelerate (2008), é a escolhida para iniciar os trabalhos. Depois vieram duas que eu não conhecia, que depois fiquei sabendo serem do álbum Monster, muito admirado por uns mas que ainda precisa me conquistar. Enquanto lá na Bombonera o Inter segurava o empate de 0 x 0 no primeiro tempo, no campo do Zequinha a banda norte-americana de Athens, Geórgia, emendava uma canção após a outra, com extrema competência, mas nem sempre com o domínio pelo público do material apresentado. Parecia que a platéia esperava ouvir uma das mais 'conhecidas'. Foi então que a banda disparou a clássica Drive, a faixa um de Automatic for the People (1992). Com sua atmosfera psicodélica e sua cadência hipnotizante, a canção serviu para aproximar mais o público e engrenar um show até ali um pouco frio. Ao mesmo tempo, na Bombonera, o Inter abriu o placar no começo do segundo tempo. Metade do público do show vibrou e entoou "Vamo, vamo, Inter". A outra metade desdenhou e torceu para o Boca empatar, o que aconteceu dez minutos depois.

No palco, a banda continuava a tecer sua colcha de retalhos, alguns um tanto inesperados mas muito bem-vindos (como o caso de Walk Unafraid, jóia incrustada no álbum Up, de 1998). Enquanto isso, o colorado caminhava sem medo rumo à vitória em plenas plagas argentinas. Depois de jogada de D'Alessandro, Alex marcou o segundo gol gaúcho, para desespero dos gremistas. O R.E.M., por sua vez, marçou um golaço ao tocar Imitation of Life (de Reveal, 2001) . O público animou-se e entoou com ardor o refrão da canção: That's sugarcane, that tasted good /That's cinnamon that's hollywood/ C'mon c'mon no one can see you try... Do álbum novo, mais duas: Man-Sized Wreath e, mais tarde, Horse to Water. Os destaques da primeira fase do show, foram, sem dúvida, além da já mencionada Imitation of Life, The One I Love (do LP Document, de 1987) e It's the End of the World as We Know It (And I Feel Fine), também do Document.

Então a banda retirou-se do palco (lá na Bombonera, o Inter retirava-se do gramado, após o apito final: Boca 1 x 2 Inter). No telão, Stipe brincou com o público mostrando recadinhos manuscritos de "Mais R.E.M.?", "não estou esutando (sic) vocês". Com Mike Mills envergando a canarinho, o bis começou com a esperada Supernatural Superserious, uma das melhores do Accelerate. Então Peter Buck largou a guitarra e pegou a viola com que ele toca um dos clássicos imortais da banda: Losing My Religion, de Out of Time (1991). Depois disso, parecia que nada poderia dar continuidade, era a apoteose consumada. Mas eis que a banda guardava mais surpresas. Uma delas foi fazer subir ao palco a placa "We are Obama too", erguida pelos fãs-porto-alegrenses. Stipe aproveitou a deixa e fez o link com a música seguinte, uma preciosidade pinçada de Life's Rich Pageant: Cuyahoga. A canção fala sobre salvar o Rio Cuyahoga e construir um novo país (ver letra abaixo). Nessa parte do show senti-me um pouco estranho, pois eram poucas as pessoas que como eu cantavam o refrão "Cuyahoga". Depois deste momento inusitado, o que ainda restaria? Duas canções belíssimas do Automatic for the People: Everybody Hurts e, para encerrar uma noite perfeita, Man on the Moon.

Mais fotos e comentários sobre este memorável show, ver
http://www.clicrbs.com.br/blog/jsp de onde foi retirada a primeira foto (de Omar Jr.) que ilustra este post. A foto do jogo Inter x Boca é do site http://www.scinternacional.net/.

P.S. Escrevi um texto sobre o R.E.M. no zine Wall of Sound. Pode ser lido aqui.







Foto: Rio Cuyahoga no inverno (http://usparks.about.com/od/parkphotographs/ig/cuyahogaphotos)

CUYAHOGA (Berry/Buck/Mills/Stipe)
Let's put our heads together and start a new country up
Our father's father's father tried, erased the parts he didn't like
Let's try to fill it in, bank the quarry river, swim
We knee-skinned it you and me, we knee-skinned that river red
(chorus 1)
This is where we walked, this is where we swam
Take a picture here, take a souvenir
This land is the land of ours, this river runs red over it
We knee-skinned it you and me, we knee-skinned that river red
And we gathered up our friends, bank the quarry river, swim
We knee-skinned it you and me, underneath the river bed (repeat chorus 1)
(chorus 2)
Cuyahoga
Cuyahoga, gone
Let's put our heads together, start a new country up
Underneath the river bed we burned the river down
This is where they walked, swam, hunted, danced and sang
Take a picture here, take a souvenir
repeat chorus 2)
Rewrite the book and rule the pages, saving face, secured in faith
Bury, burn the waste behind you
This land is the land of ours, this river runs red over it
We are not your allies, we can not defend

segunda-feira, novembro 03, 2008

R. E. M.


Em semana de show do R.E.M., resgato um texto do baú de relíquias.


R.E.M.

Rapid Eye Movement. Enquanto você sonha, dormindo, eletrodos levemente afixados às suas pálpebras podem detectá-lo. Movimento ocular rápido, rápido; trajetória de cometas, beija-flores, granizo...

Relâmpago, êxtase, mágica! Eletrizante e onírica, pulsante e otimista, trilha para dias de céu azul intenso e noites flechadas por estrelas cadentes; assim é a música do R.E.M., banda de rock. Mills, Berry, Stipe e Buck, respectivamente baixo, batera, voz e guitarra.

Reinaram nas garagens de Athens, Georgia, no circuito independente e nas rádios alternativas; hoje estão no cast da Warner e tocam para platéias de 20.000 pessoas. Entrelaçam acordes country ao urbano desespero; a acústica suave, o ar, a poesia, ao mais pesado dos metais. “MURMUR”, o primeiro LP, de 83, soou como um grito de lucidez no universo pop, tão forte e compacto como a canção símbolo desta estréia, Radio Free Europe.

RECKONING”, o segundo trabalho, veio no ano seguinte e marcou a sedimentação do estilo único do grupo e, embora os mais entendidos o tenham taxado como de “menor inspiração”, tem sete irmãos chineses e muita transpiração. “Este é o meu erro, deixe-me fazê-lo bem feito”, letra do LP “GREEN”, seria perfeita para abrir “FABLES OF THE RECONSTRUCTION”, o terceiro e o “menos bom” da carreira, por sinal, o primeiro a ser lançado em nossas plagas, na amarela moldura da New Rock Collection. Meses depois, “LIFE’S RICH PAGEANT”, o quarto, de 86, segundo os entendidos não alcançou “resultado satisfatório”; levou os fãs, porém, ao orgasmo.

Rispidamente começa, com a canção de trabalho mais refinada, a hora mais primorosa: “DOCUMENT”, o quinto, documenta a ascensão do R.E.M. para além das nuvens, uma tour alucinante na alta estratosfera, na carona da supersonicamente acelerada “It’s the end of the world (as we know it)”. E sobra tempo para brincar: “DEAD LETTER OFFICE”, que Thomas Pappon bem conceituou como o disco que todas as bandas gostariam de fazer: sobras de LPs, covers, lados B de singles. Mata nativa em dia de sol, com suas diferentes tonalidades de verde – imagem comparável a “GREEN”, laranja de capa e, na realidade, maduro, foi o disco mais bonito, mais vivo, mais transmissor de esperança lançado no Brasil no ano passado.

Publicado originalmente no zine Wall of Sound (editora Jussara Neves), em janeiro de 1990.

quarta-feira, outubro 08, 2008

Busca implacável



O diretor Pierre Morel, após estrear em 2006 com o elogiado District B13 (também rodado em Paris e também co-escrito por Luc Besson), lança um filme direto ao ponto. Sem frescuras ou trejeitos, lembra o ritmo de O profissional, de Luc Besson. Pra começar, o maior e indiscutível mérito dos produtores foi o de selecionar o cara certo para o papel ideal: Liam Neeson, do alto de seus 56 anos, está perfeito na pele de Bryan, agente do governo. Agora aposentado, de vez em quando colabora com ex-colegas na segurança de eventos. Paralelamente, procura aproximar-se da filha de 17 anos Kim (Maggie Grace), sem contar com a ajuda da ex-mulher Lenore (a sublime Famke Janssen). Quando na ativa, o trabalho de Bryan era impedir que coisas ruins acontecessem. Mas isso não impede que uma coisa pra lá de ruim aconteça com Kim, a passeio em Paris. Bryan pega o primeiro avião a Paris para tentar resgatá-la. Ação sem firulas.


terça-feira, outubro 07, 2008

The Cult World Tour, Porto Alegre, 02 de outubro de 2008

Na última quinta-feira subiu ao palco do Pepsi on Stage em Porto Alegre a banda britânica The Cult. A "formação original" prometida consistia na dupla que constitui a espinha dorsal do Cult: o vocalista Ian Astbury e o guitarrista Billy Duffy. Os outros músicos não constam no cd Pure Cult, que traz as formações mais importantes da banda. Mas o aloirado baixista Chris Wyse, o estranhíssimo guitarrista Mike Dimkich e o discreto (nas atitudes, não na habilidade) baterista John Tempesta não deixaram a peteca cair e fizeram a base sonora para a voz de Astbury e a guitarra de Duffy se destacarem.

Astbury, que na década de 80 usava uma vasta cabeleira negra e cantava que os seus cabelos eram uma extensão de sua alma, agora naturalmente está com um corte mais comportado. Por isso é um tanto irônico que tenha comentado sobre o cabelo dos porto-alegrenses, segundo ele, dignos de uma convenção de jovens empresários. Mas Astbury falou pouco, cantou muito e tocou bastante pandeiro.

Em uma hora e dez minutos de show pulsante, a banda apresentou canções do novo álbum Born into this, e sucessos como Rain, Wild Flower, Eddie (Ciao Baby) e Love Removal Machine. Ao cabo do tempo regulamentar, a banda retornou para um magro, cronometrado mas elétrico bis: Sweet Soul Sister e a clássica das clássicas She Sells Sanctuary.

Foto: Omar Freitas.

terça-feira, agosto 26, 2008

DAVID LYNCH NO FRONTEIRAS DO PENSAMENTO



AUTOAJUDA 
Em 10 de agosto de 2008, o diretor de cinema David Lynch esteve em Porto Alegre para a divulgação de seu livro de autoajuda Catching the Big Fish (que no Brasil recebeu o título Em águas profundas). Quem foi ao auditório da Reitoria da UFRGS esperando palavras sobre cinema saiu decepcionado: noventa por cento do tempo Mr. Lynch teceu elucubrações sobre a importância da meditação e de que como o bem-estar pode ser canalizado para boas coisas, inclusive para fazer obras de arte.

OUR NATURE IS BLISS
Se fosse para resumir o colóquio de Mr. Lynch em uma simples frase, seria “Our nature is bliss!”. O bordão foi repetido várias vezes pelo convicto cineasta, afirmando sua crença em que o ser humano nasceu para ser feliz. A natureza humana, frisou Mr. Lynch, é encantamento e felicidade. Felizes, produzimos mais em todos os sentidos. Sentindo-nos miseráveis e depressivos não conseguimos alcançar nossos objetivos.

PERGUNTAS

A palestra de David Lynch foi dada em formato “perguntas e respostas”. Um “host” um tanto deslumbrado e fazendo piadas no mínimo desnecessárias (como aquela sobre Quem matou Laura Palmer) seguiu um protocolo de perguntas-padrão. Teoricamente, o público poderia enviar perguntas, mas o critério de seleção das perguntas do público foi também no mínimo equivocado. Tanto que a última e constrangedora pergunta (novamente a insistência, “O sr. pode nos dizer quem matou Laura Palmer?”) recebeu a única e límpida resposta: “Essa pergunta é absurda”.

DONOVAN
Para ajudar David Lynch em sua peregrinação e pregação pró-meditação, acompanha-o mundo afora o bem-sucedido músico dos anos 60, Donovan, que naquela década emplacou vários hits. Assim, a plateia pôde curtir quatro de suas canções, interpretadas ao melhor estilo ‘voz e violão’.

AUTÓGRAFOS
Os tietes de Mr. Lynch após o evento enfileiraram-se no pátio da Reitoria para conseguir um autógrafo do carismático cineasta e artista multimídia, que no momento não trabalha em nenhum projeto na área de cinema. Um dos fãs porto-alegrenses pediu um autógrafo no braço e depois mandou tatuar. Minha irmã contentou-se com a assinatura no livro e um simpático recado verbal: “Take care”. 
Foto: Ana Guerra

terça-feira, agosto 19, 2008

Mangue Negro



Fantástica realização de Rodrigo Aragão. Nascido em 1977 na comunidade de pescadores do Perocão, em Guarapari, cresceu no meio de muita imaginação e fantasia – o pai era mágico profissional e dono de cinema. Com esse background, nada menos surpreendente que, ao assistir a filmes como O Império Contra-Ataca, de George Lucas, e Uma Noite Alucinante, de Sam Raimi, o menino ficasse entusiasmado por efeitos especiais e terror. O interesse adolescente estava lá, mas só com muito esforço transformou-se em habilidade para fazer efeitos eficientes e roteiros funcionais. Essa habilidade, desenvolvida e posta em prática nos curtas Chupa Cabras (2004), Peixe Podre (2005) e Peixe Podre 2 (2006), pode agora ser conferida em seu primeiro longa: Mangue Negro.

O filme integrou a mostra de filmes fantásticos de Porto Alegre – o conceituado Fantaspoa – e também teve sessão no Clube do Cinema de Porto Alegre, na presença do realizador.
Antes da sessão, o diretor capixaba disse que o objetivo dele ao fazer o filme era apenas possibilitar momentos de diversão ao público, deixando claro que se tratava de um filme com certo “nicho de mercado”.

Ao cabo da película (?) (o filme foi passado em dvd) a platéia estupefata pôde tecer considerações e críticas, tirar dúvidas e fazer perguntas. Uma dessas perguntas envolveu justamente o comentário de antes da sessão: qual a relação entre diversão e horror? O que há de divertido em colocar os heróis do filme na madrugada no meio de um mangue cheio de zumbis esfomeados e alucinados? A resposta concisa: o horror, para Rodrigo Aragão, é algo intrinsecamente divertido.
O custo do filme? Estarrecedoramente baixo para a qualidade do produto final: 60 mil reais, levantados com um empreendedor privado após assistir a 15 minutos do filme produzidos com sacrifício do elenco e da equipe, pagando despesas de transporte com dinheiro do próprio bolso.

Com simpatia, Aragão respondeu a todos, inclusive a mim, que perguntei o que diacho era um caramuru. Na minha ignorância de gaúcho, não sabia o nome dessa espécie de moréia do manguezal, de carne não muito apreciada, mencionada no filme. E como essa há outras referências bem regionais que dão a Mangue Negro sua autenticidade e visceralidade.

Vísceras, aliás, não faltam. Nem sangue de mentira. Nada menos que setecentos litros de sangue (cuja receita inclui até chocolate) foram gastos nas filmagens, inteiramente realizadas no quintal da casa de Rodrigo - onde ele construiu com madeiras velhas os barracos que serviram de cenário e por onde passa o principal astro do filme: o mangue.

Logo na primeira cena o espectador é apresentado ao bizarro meio em que as ações ocorrem. Uma câmera meio Peter Jackson-meio Sam Raimi aproxima-se depressa de um bote e enquadra o rosto de Agenor dos Santos (Markus Conká), um pescador contador de causos que percorre lentamente o mangue em busca de um pesqueiro, na companhia do colega remador. A tomada tem grande eficácia para incitar a curiosidade, criar a atmosfera de suspense e introduzir as personagens.

Batista (Reginaldo Secundo) enterra as mãos na lama à cata de caranguejos cada vez mais escassos. A brejeira Raquel (Kika de Oliveira) lava roupas na beira do mangue para ajudar a mãe, presa a uma cama e deficiente visual. O tímido Luís (Valderrama dos Santos) ensaia uma declaração de amor. O asqueroso Valdê (Ricardo Araújo), pai de Raquel, recebe a visita do asqueroso atravessador (Antônio Lâmego), que, enquanto espera um lote de caranguejos asquerosos, dá em cima de Raquel, para desespero de Luís.

Mas, quando o mundo enlouquece e seres desvairados e esfaimados despertam do fundo do manguezal, Luís é obrigado a adiar os momentos idílicos e a se preocupar com o essencial: salvar a pele (e a carne) da amada (e a sua também). Em meio à gosma e ao sangue, Luís maneja a machadinha com perícia, tentando repelir o ataque irresistível dos zumbis à cabana. Quando a doce carne de Raquel é dilacerada por dentes infectos, a única chance passa a ser a preta velha Dona Benedita (André Lobo), que aconselha Luís a (em plena madrugada e no mangue infestado de mortos-vivos) pescar um baiacú, cujo fel pode salvar Raquel. A preta velha é importante e bem interpretada, além de emprestar certo misticismo ao filme, mas o ritmo cai nessa parte. Aliás, no final, a única crítica feita pelos cineclubistas foi que o filme poderia ser um pouco mais curto.

Mesclando crítica ecológica e humor negro, fotografia dark e tomadas eficazes, Mangue Negro é um clássico do horror tupiniquim. A versatilidade do diretor lembra a de outro criador de efeitos especiais: Tom Savini, o responsável pelos efeitos dos filmes de George Romero. Com a diferença que Savini só estreou na direção em 1990, no remake de A noite dos mortos vivos. O Tom Savini brasileiro logo na estréia dirige, cria efeitos especiais e roteiriza. Com a pretensão apenas de divertir, mas despretensão não torna um filme bom. Talento, sim.

sábado, julho 19, 2008

O Cavaleiro das Trevas

Christopher Nolan despontou com seu segundo filme, Amnésia (Memento), prêmio de Melhor Roteiro no Festival de Sundance, em 2000. Antes filmara Following (1999). Com forte tendência de focalizar o interesse de seus filmes mais na edição do que em outros fundamentos como algo a contar (faça uma simples experiência: alugue Amnésia e selecione o extra em que o filme passa na ordem cronológica dos eventos), de modo curioso Nolan viu-se alçado à condição cômoda de novo queridinho da crítica. A partir daí, teve carreira meteórica: fez o sonolento Insônia (2002), com cenas patéticas de perseguição protagonizadas por um obeso Robin Williams e um quase ancião Al Pacino. Apesar disso, seus filmes iniciais demonstraram certa originalidade só percebida em cineastas promissores. Mas, tendo apenas 3 filmes no currículo, foi comprado pelo sistema. Escalado para dirigir a nova série de filmes do Batman, passou a dedicar-se quase que exclusivamente à franquia (a exceção foi a pausa para realizar O Grande Truque - The Prestige, 2005, com Hugh Jackman). Então, o que poderia se tornar uma carreira inventiva, inovadora e imaginativa passou a ser mero exercício de competência e aprimoramento.
Em Batman Begins (2005), e também agora com O Cavaleiro das Trevas, Nolan não decepcionou os fãs dos primeiros filmes, além de agradar aos endinheirados produtores que o contrataram. E, é claro, agradou também a crítica. Seria Nolan uma pessoa com o poder de agradar a atenienses e espartanos?

O fato é que o poder corrompe. E no caso de Nolan esse poder aparece em minutos a mais de película. Senão, vejamos:
Following (1999) = 1 hora e 10 minutos;
Memento (2000) = 1 hora e 56 minutos;
Insomnia (2002) = 1 hora e 58 minutos;
Batman Begins (2005) = 2 horas e 20 minutos;
The Prestige (2006) = 2 horas e 15 minutos;
The Dark Knight (2008) = 2 horas e 32 minutos.
Como é fácil de observar, os filmes mais recentes de Nolan tem metragem mais extensa. Tudo isso para dizer que O Cavaleiro das Trevas seria um ótimo filme caso tivesse menos duração.
Se Nolan não tivesse tido a ânsia de contar muitas histórias num filme só, teria realizado um filme melhor - mas ninguém em sã consciência poderia dizer que "não ficou bom". Apenas quero dizer que a parte final é excessiva. Como prova disso, dou o testemunho de ter cochilado na parte daquela função dos barcos.
Quanto à atuação de Heath Ledger, é algo de memorável e surpreendente. Falar mais do que isso seria correr o risco de cometer clichês e ser... excessivo.

sábado, julho 12, 2008

O escafandro e a borboleta


Estudo de Julian Schnabel sobre a necessidade humana de comunicar pensamentos de forma articulada. Podendo mover apenas um olho, Mathieu Amalric interpreta Jean-Dominique Bauby, redator de uma revista de moda que, aos quarenta e dois anos, tem um acidente vascular cerebral. O filme focaliza as sensações de Bauby no hospital, ao perceber sua situação desesperadora (compreende tudo o que se passa mas só consegue mover o olho esquerdo). Por exemplo, numa cena de puro terror, Jean-Do vê o seu olho direito sendo costurado por decisão do médico-chefe Dr. Lepage (Patrick Chesnais). Com a pertinácia da fonoaudióloga, Bauby aos poucos começa a expor o que pensa. Primeiro, piscando uma vez para dizer "sim" e duas vezes para dizer "não". Mais tarde, ao ver repetida uma seqüência das letras do alfabeto (a partir da letra de uso mais freqüente até a menos freqüente), piscando letra a letra para formar palavras e frases. O método, apesar de demorado, seria otimizado pelo treino e renderia - com a colaboração exaustiva de Claude (Anne Consigny) - um livro aclamado pela crítica. Entremeadas ao drama da recuperação atual, cenas ajudam a montar o passado da personagem, sua agitada vida profissional, seu relacionamento com o pai Papinou (Max von Sydow), o amor pelos filhos, a relação contraditória com a ex-mulher Celine e a paixão pela namorada Inès (Agatha de la Fontaine). São inúmeros os momentos tocantes do filme, mas gostaria de mencionar um: quando Inès liga ao hospital e a ex-mulher Celine (encarnada de modo inesquecível por Emanuelle Seigner) precisa intermediar a conversa.

sábado, julho 05, 2008

WALL-E


Filho, com teus 9 meses, tu é muito novinho para ir ao cinema. Mesmo assim, estou tentando convencer tua mãe a participar dessa aventura.

Wall-E é um robozinho solitário e incansável, um dos únicos habitantes do planeta Terra, fabricado para coletar o lixo, esmagá-lo em pequenos cubos e fazer pilhas gigantescas de resíduos. A propósito, Wall-E é uma sigla em inglês (Waste Allocation Load Lifter - Earth Class), que significa algo como "Carregador e Transportador de Resíduos - Classe Terrestre". Indiferente à sua quase total solitude, Wall-E faz o que está programado a fazer. Mas está na cara que ele é um robozinho inteligente e sensível. Misto de obediência robótica e inteligência artificial, tem como único amiguinho uma barata, e como seu único momento de lazer assistir ao musical de Gene Kelly, Hello, Dolly (1969). Faz isso sempre que chega em casa - o container em que descansa depois do longo dia de trabalho. No seu cantinho, coleciona um monte de tralhas que vai achando durante o dia e que acha interessante. Mas por que Wall-E mora quase só na imensa Terra? É que os terráqueos, devido à poluição, tiveram de abandonar o planeta. Agora agora moram numa estação espacial numa galáxia próxima. Na rotina de Wall-E, também está o convívio com estranhas, freqüentes e ruidosas movimentações vindas da atmosfera. Um dia, Wall-E vai descobrir do que se trata, e conhecer uma robozinha que vai mudar sua vida. Não te preocupa, não vou contar toda a história pra ti. Acho que assim tu já pode ter uma idéia. O diretor do filme (a pessoa que toma as decisões mais importantes, planeja as tomadas e escolhe os movimentos da câmera) é Andrew Stanton, o mesmo de Procurando Nemo. Wall-E é um alerta não apenas para a tua geração, mas para toda a humanidade cuidar melhor desse tênue ponto azul chamado Terra.

sexta-feira, junho 27, 2008

Antes que o diabo saiba que você está morto

O legendário Sidney Lumet (nascido em 25 de junho de 1924) traz a lume um aterrador estudo sobre a corrupção moral e ética de membros de uma família de classe média alta. Com cinqüenta filmes no currículo, entre eles Doze Homens e uma Sentença (1957), Serpico (1973), Assassinato no Expresso Oriente (1974), Um Dia de Cão (1975), Rede de Intrigas (1976) e O Veredito (1982), Lumet ganhou fama como "diretor de atores", ou seja, o tipo de cineasta que costuma fazer ensaios das cenas (nas décadas de 50 e 60 dirigiu teatro na Broadway) e extrair do elenco atuações iluminadas. Ethan Hawke está frágil e manipulável como Hank, o irmão mais novo do maquiavélico Andy (Philip Seymour Hoffman). Apesar de pertencerem a uma "boa família" e de terem crescido como satélites de um pai bem sucedido nos negócios, os dois mancebos chegam na maturidade quebrados e desesperados por dinheiro. Andy concebe um plano perfeito: roubar uma pequena joalheria cuja atendente é uma senhora de idade e lucrar com o roubo a bagatela de 600 mil dólares, entre o caixa e as jóias. Com um pequeno detalhe: a joalheria pertence a Charles (Albert Finney), ninguém menos que o pai deles. Outro detalhe sórdido (?) desta sórdida história tem a ver com Gina (Marisa Tomei), esposa de Andy e amante de Hank. É legal lembrar que as lúcidas películas de Lumet continuam iluminando a arte dos irmãos Lumière - como é legal perceber que o corpo de Marisa Tomei continua perfeito.

Na minha cabeça este filme faz intertexto com a canção abaixo:

Pace is the trick (Interpol)
You can't hold it too tight
These matters of security
You don't have to be wound so tight
Smoking on the balcony
But it's like sleaze in the park
You women you have no self-control,
We angels remark outside
You are known for insatiable needs
I don't know a thing
I've seen love
And I follow the speed in the starlight
I've seen love
And I follow the speed in the starswept night
Yeah pace is the trick
And to all the destruction in man
Well I see you as you take your pride, my lioness
Your defences seem wise I cannot press
And attentions at demise, my lioness
Can't you hurt it some, think I hurt it
I've seen love and I follow the speed in the starlight
I've seen love
And I follow the speed in the starswept night
And now I select you,
Slow now I let you
See how I stun, see how I stun
Now I select you, slow now I bet you
See how I stun, see how I stun
and to all the destruction in man
and to all the corruption in my hand...
And now I select you,
Slow now I let you see how I stun, see how I stun
Now I select you, slow now I bet you see how I stun, see how I stun
Now I select you,
Slow now I let you, see how I stun, see how I stun
Now I select you, slow now I let you
I always follow the speed in the starswept night...
You don't hold a candle

sábado, junho 21, 2008

Chega de saudade

Filme conceitual de Laís Bodanzky, o segundo da cineasta de Bicho de sete cabeças. Diferentemente de O baile (1983), de Ettore Scola, que por meio da música e das memórias das personagens de um salão de baile retoma 60 anos de história da França, Chega de saudade (2008), bem menos pretensioso, conta
apenas a história de um baile. Neste democrático salão paulista, dançam pessoas de todas as idades, cores e credos. Desde o malevolente Eudes (Stepan Nercessian), que dá em cima de Marici (Cássia Kiss), mas tira para dançar Bel (Maria Flor), namorada do DJ Marquinhos (Paulo Vilhena), colega de trabalho do garçom Gilson (Marcos Cesana), conselheiro do viúvo Álvaro (Leonardo Villar), que briga com a também viúva Alice (Tonia Carrero), que dança com o argentino Hugo (Raul Bordale), que protagoniza cenas tórridas com a fogosa Rita (Clarisse Abujamra), até a triste Elza (Betty Faria), que inutilmente tenta atrair atenção dos coroas. Uma cornucópia de personagens que flutua num salão onde tudo pode acontecer. Entre blecautes e cenas de ciúmes, embalado por som ao vivo ou "mecânico", o baile progride e revela a essência de cada personagem. Uma boa (e dançante) surpresa.

domingo, junho 15, 2008

O Incrível Hulk

Começo a achar que sou "do contra". Quando "crítica" e "fãs" decepcionaram-se com Hulk (2003), publiquei texto intitulado Hulk, King Kong e o Lobisomem (http://olharcinefilo.weblogger.terra.com.br/200306_olharcinefilo_arquivo.htm)
elogiando o trabalho de Ang Lee. Portanto, se supostamente este O Incrível Hulk (2008) foi feito no intuito de desfazer a impressão do primeiro, no meu caso essa tese não se aplica. O francês Louis Leterrier, o diretor do novo filme (que tem no currículo Cão de Briga - Unleashed, 2005 - e Carga Explosiva 2 - Transporter 2, 2005), prefere um discurso humilde e conciliador. Em entrevista recente ao jornal Folha de São Paulo, comenta sobre as reações ao primeiro Hulk: "É engraçada a reação ao filme de Ang Lee. Os fãs mais radicais odiaram de verdade, mas alguns gostaram por seu valor cinematográfico. Esse foi o desafio, fazer algo suficientemente diferente para agradar aos fãs, mas não irritar quem gostou do filme de Ang. Tentei fazer um complemento à obra dele". O diretor Louis Leterrier alcançou o objetivo: o novo Hulk não desagrada as pessoas que gostaram do primeiro (entre outros, pessoas que admiram o trabalho de Ang Lee como diretor e o trabalho de Jennifer Connelly como atriz). E, ao buscar as raízes da personagem nas HQs e na série televisiva, procura satisfazer e renovar os fãs do anti-herói esverdeado.
Segundo Stan Lee, o criador da personagem, Hulk é um misto da criatura de Victor Frankenstein (concepção de Mary Shelley, no livro Frankenstein, de 1818) e Mr. Hyde, a face monstruosa do Dr. Jekyll (O Médico e o Monstro, 1886, de Louis Robert Stevenson). Fã de aliterações (vide Peter Parker), Stan Lee deu ao cientista nome e sobrenome com a mesma letra: Bruce Banner. Interpretado por Bill Bixby (mais aliterações!) na série televisiva dos anos 70 e por Eric Bana em 2003, agora Banner é vivido por Edward Norton (As Duas Faces de um Crime, 1996; O Clube da Luta, 1999). O papel de Jennifer Connelly, Betty Ross, agora é de Liv Tyler. O general Ross é encarnado por ninguém menos que o oscarizado William Hurt. O ator inglês Tim Roth é o militar Emil Blonsky, que depois se transforma na Abominação. Curiosidade: o fisiculturista Lou Ferrigno, que pintado de verde fazia o Hulk da TV, faz a voz do Hulk 2008, além de uma ponta como o segurança que aceita uma pizza como propina.
O roteiro nos leva ao Rio de Janeiro, na Favela da Rocinha (na verdade as cenas foram filmadas na favela Tavares Bastos, com tomadas aéreas da Rocinha), onde Bruce Banner trabalha numa antiga indústria de bebidas. Aqui, um parênteses nacionalista. É constrangedor o modo que os "brasileiros" do filme falam português. Arrevesado, enrolado e totalmente fora do vernáculo. Segundo o diretor Louis Leterrier explicou-se à Folha, ficaria muito "caro" contratar atores brasileiros para filmar no Canadá (onde a maioria das cenas foi realizada). Daí, nós brasileiros somos obrigados a tolerar este tipo de coisa. Diga-se de passagem, os dois únicos atores genuinamente brasileiros do elenco enriquecem esta fase do filme: a brejeira Débora Nascimento, colega de Banner na fábrica, e o convincente Rickson Gracie, instrutor de artes marciais que ensina Banner a dominar a respiração e a adrenalina. Banner está no Brasil atrás de uma flor que pode servir como antídoto para a sua condição (de se transformar num monstro poderoso e incontrolável quando sente muita raiva, medo ou emoções fortes). Pela Internet, Banner mantém contato e recebe dicas de um misterioso cientista, Mr. Blue (Tim Blake Nelson). Mas o incansável General Ross (Hurt) está no encalço de Banner, a fim de transformá-lo numa cobaia-modelo para um super-soldado. Para a missão de capturá-lo no Brasil, contrata o veterano Emil Blonsky (Roth, não o Celso). Quando a missão gringa chega ao Brasil atrás de Banner, começa a ação, a perseguição - e os crimes contra a geografia. Não é à toa que o povo americano não entende patavinas de geografia. Hulk foge do Rio e Banner acorda na Guatemala! Tudo bem que ele se locomove com pulos quilométricos, mas não precisavam exagerar tanto. Podia ter feito uma paradinha na Venezuela, ou até mesmo no Panamá. Da Guatemala ao México e do México aos Estados Unidos, Banner vai atrás dos dados que podem lhe ajudar a alcançar a cura. Leterrier capricha na agilidade da câmera, mas seu O Incrível Hulk perde para o Hulk de Ang Lee.

sábado, junho 14, 2008

Bella

Filme preferido do público em Toronto 2006, Bella é o longa de estréia do mexicano Alejandro Gomes Monteverde. Segundo alega superiormente o crítico Roger Ebert, ele "consegue entender" por que este filme foi a escolha popular e, em vez de dizer o que o filme é, prefere dizer o que não é: nem "profundo" nem "estúpido".
Puxa vida! O famoso resenhista não esclarece, porém, o que ele considera um filme "profundo" e um filme "estúpido". Filme profundo seria, talvez, aquele que possibilita leituras variadas, faz intertextos, gera reflexões, provoca o intelecto ao mesmo tempo que carrega ternura? Filme estúpido seria, talvez, a antítese do filme profundo, aquele que não possibilita leitura alguma, faz pastiches, não gera reflexão alguma, afronta o intelecto ao mesmo tempo que carrega repulsa? Profundo seria Morangos Silvestres, de Ingmar Bergman? Estúpido seria Fome Animal, de Peter Jackson?
O raciocínio de que Bella "não é estúpido" soa-me uma tremenda estupidez.
Bella é bem mais do que apenas isso. Comparado com a maioria dos filmes atuais, Bella é um filme profundíssimo. Tipo do filme que dá vontade de cultuar e de ver repetidas vezes, assim como Lúcia e o Sexo (leia sobre o filme de Julio Medem em

(http://olharcinefilo.weblogger.terra.com.br/200305_olharcinefilo_arquivo.htm). Por sinal, Monteverde deve ter algum tipo de admiração por Julio Medem. Os dois filmes tecem retalhos intertextuais e sob certos aspectos abordam temas afins.
Em Bella, Jose (o carismático Eduardo Verastegui) trabalha como cozinheiro-chefe do restaurante de seu irmão Manny. No dia em que o exigente Manny despede Nina (Tammy Blanchard) por ter chegado a terceira vez com atraso ao trabalho, Jose abandona a cozinha e segue Nina. Os dois passam o dia juntos, numa jornada de conhecimento mútuo e revelações pessoais. Delicado e sensível, Bella merece a atenção de quem é capaz de apreciar cinema - desde os filmes mais profundos até os mais estúpidos.

terça-feira, junho 10, 2008

As Crônicas de Nárnia: Príncipe Caspian

A obra acadêmica mais importante do irlandês C. S. Lewis (1898-1963) chama-se The Allegory of Love: A Study in Medieval Tradition (1936). É na fonte da literatura medieval e das mitologias romana, grega e nórdica que Lewis embasa o mundo de seres fantásticos e animais falantes criado nas Crônicas de Nárnia, série de 7 livros infanto-juvenis lançada ao longo da década de 1950 (1950, O Leão, A Feiticeira e o Guarda-Roupa; 1951, Príncipe Caspian; 1952, A Viagem do Peregrino da Alvorada; 1953, A Cadeira de Prata; 1954, O Cavalo e seu Menino; 1955, O Sobrinho do Mago; e 1956, A Última Batalha). Marcadas pela apologética cristã, as Crônicas de Nárnia são uma metáfora da luta do bem (os habitantes de Nárnia - animais, centauros, faunos) contra o mal (o povo Telmarine, de aparência humana). O único personagem presente em todos os livros é o leão Aslam (que, para alguns, representa Jesus Cristo). Dublado por Liam Neeson, Aslam em O Leão, A Feiticeira e o Guarda-Roupa comanda as ações; em Príncipe Caspian aparece pouco, mas decisivamente. O diretor do primeiro filme das Crônicas de Nárnia, Andrew Adamsom (co-diretor de Shrek e Shrek 2), continua o maior responsável pelo processo de trazer à tela a obra rica de Lewis. Partícipe da roteirização, Adamson enfatiza a ação e as batalhas, sem, entretanto, privar a película da alegoria do amor, no caso, entre Caspian (Ben Barnes), príncipe dos Telmarines, e Susan Pevensie (Anna Popplewell), tímida estudante londrina/rainha arqueira de Nárnia. A sessão contou com a simpática presença de um grupo de adolescentes do sexo feminino, que dominou a fileira de cima e, por sua inquietude, impaciência e certa falta de etiqueta cinéfila, provocou contínuas (e infrutíferas) reclamações de Telmarines, digo adultos rabugentos.

quinta-feira, maio 29, 2008

Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal


Qualquer pessoa um pouco ligada em cinema sabe que não há mistério na receita para se fazer um bom filme. Bom roteiro, bom elenco, boa equipe e bom diretor quase invariavelmente resultam num bom filme. Há casos, porém, em que o roteiro parece ótimo, o elenco é cheio de figurões, a equipe técnica é oscarizada e o diretor tem uma filmografia quase impecável, mas o resultado é uma droga. Em que categoria se enquadra Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal?

Comecemos nossa análise pelo roteiro. Bem estruturado, faz o espectador entrar na história de modo envolvente. Com ingredientes clássicos como mapas em código, povos remotos, tesouros perdidos, objetos mágicos e segredos misteriosos, traz também pitadas de humor e inúmeras citações intertextuais com os primeiros três filmes da série. Além disso, ao fixar o ano das ações em 1957, lança mão de humor político, com menção à guerra fria EUA x Rússia e à "caça às bruxas" ianque contra os "comunistas", ocorrida na década de 1950. Por isso, com um ou outro senão, é possível afirmar que o roteiro foi muito bem trabalhado e executado.

O elenco do filme? Bem, é chover no molhado falar, por exemplo, na qualidade de Cate Blanchett, mas a verdade é que ela comprova mais uma vez o grande talento como a gélida Irina Spalko, militar e pesquisadora russa que procura de modo obstinado descobrir a origem e a verdade sobre a Caveira de Cristal. Karen Allen, no papel de Marion Ravenwood, numa ótima jogada dos roteiristas, dá o ar de sua graça na série, depois de um longo e tenebroso inverno (só tinha estrelado Os Caçadores da Arca Perdida). Ela contribui com seu charme (que não diminuiu com a idade) para tornar o filme melhor. Já Shia LaBeouf (isso lá é nome de gente?), um dos atores mais versáteis e solicitados na Hollywood atual (senão, vejamos: participou do blockbuster Transformers [2007], do obscuro Paranóia [2007] e do alternativo Bobby [2006]), não podia deixar de marcar presença e não decepciona na pele de Mutt Williams, o rebelde motoqueiro que pede ajuda a Indy para resgatar o Professor Oxley, perdido em algum lugar da América do Sul. Oxley, por sua vez, é interpretado por um descabelado e alucinado John Hurt, outro mestre da metamorfose (já fez por exemplo O Homem Elefante, de David Lynch e serviu de pasto para o primeiríssimo Alien, de Ridley Scott). Ray Winstone interpreta Mac, parceiro de Indy nas aventuras, enquanto Jim Broadbent encarna o reitor da Universidade que é obrigado a afastar Indiana Jones, devido às investigações da CIA. Em resumo, o elenco tem peso, inspiração e todos os clichês mais que você conseguir lembrar. Mas, falta falar dele, não é?
Sim, e o que dizer do nosso velho Harrison Ford? Em 35 anos de carreira, já trabalhou com alguns dos melhores diretores, como George Lucas (American Grafitti, 1973; Guerra nas Estrelas, 1977; O Império Contra-Ataca, 1980 e O Retorno de Jedi, 1983); Francis Ford Coppola (A Conversação, 1974 e Apocalypse Now, 1979); Steven Spielberg (Os Caçadores da Arca Perdida, 1981, Indiana Jones e O Templo da Perdição, 1984, Indiana Jones a A Última Cruzada e Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal, 2008); Peter Weir (o filmaço imortal A Testemunha, 1985, e o incompreendido A Costa do Mosquito, 1986); Ridley Scott (o cult dos cults Blade Runner, 1982); Mike Nichols (Uma Secretária de Futuro, 1988); Roman Polanski (Frantic, 1988); Alan Pakula (Presumed Innocent, 1990); Phylip Noyce (Jogos Patrióticos, 1992, e Perigo Real e Imediato, 1994); Andrew Davis (O Fugitivo); Sidney Pollack (que os Deuses do bom cinema o tenham, Sabrina, 1995) e Kathryn Bigelow (K-19, 2002). Diga-me com quem andas, que eu dir-te-ei quem és. Só o fato de ter trabalhado com tanta gente genial já poderia atestar a qualidade e o carisma de Harrison Ford. Mas não se trata disso, de citar currículo por citar, de criar fama e cair na cama. O carpinteiro que virou ator humilde nunca quis ser diretor. Ford é um cara que sabe as próprias limitações. E apesar delas, deu vida a inúmeras personagens e cenas gravadas na retina de quem ama cinema.
Falando em retina, essa é a deixa para comentar sobre a equipe reunida para otimizar o filme. Sim, pois O Reino da Caveira de Cristal tem uma das características marcantes dos filmes de Spielberg: a excelente fotografia assinada por Janusz Kaminski. A música? John Williams. A produção? George Lucas e Frank Marshall. O roteiro? David Koepp, baseado em história de George Lucas. Para quem não lembra de David Koepp: ele assinou nada menos que Jurassic Park, Missão Impossível, Homem Aranha, Quarto do Pânico, sem falar nos dois filmes de Brian De Palma: Carlito's Way e Olhos de Serpente. Em suma, uma bela equipe como era de se esperar.
O que nos leva ao homem que ganha o crédito artístico: o diretor. No caso, Steven Spielberg. Desde que estreou com o baixo orçamento de Encurralado (1971), passando pelo blockbuster Tubarão (1975), pelo pioneiro Contatos Imediatos do Terceiro Grau (1977) e pela magia de E.T. (1982), até chegar ao Oscar em A Lista de Schindler (1993), unindo faro comercial, talento visual e timing infalível, mesclando o senso de humor (1941 - Uma guerra muito louca, 1977; Prenda-me se for capaz, 2002; O Terminal, 2004) à capacidade de urdir dramas (A Cor Púrpura,1985) e de retratar realidades cruéis (vide Munique, 2005), eclético, indo da aventura (O Império do Sol, 1987) à guerra (O Resgate do Soldado Ryan, 1998), do suspense (Twilight Zone, 1983) à ficção (A.I., 2001, Minority Report, 2002, A Guerra dos Mundos, 2005), Spielberg é o protótipo do CINEASTA. Completo.
Bem, dirá um leitor crítico, que tal parar de citar nomes e currículos e falar um pouco sobre o filme? Ora, um filme é feito de nomes e de currículos. O que eu posso dizer é que Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal faz jus ao currículo das pessoas envolvidas. Claro que tudo tem um pequeno senão, e, nesse caso, já havia comentado en passant que o roteiro, mesmo excelente, tinha seus senões. Pois bem, o senão é que a fundamentação científica (?) está mais para Erich von Däniken do que para Carl Sagan. Mas isso não chega a comprometer a 'obra como um todo'.

domingo, maio 18, 2008

Encurralados

O título original de Encurralados (Butterfly on a Wheel), produção independente britânica (cujo DVD recebeu nos EUA o título Shattered ), é uma referência à frase "Who breaks a butterfly upon a wheel?", citação de Alexander Pope; por sua vez, alusão à forma de tortura em que as vítimas eram amarradas a uma roda e tinham fêmures e úmeros quebrados por uma barra de ferro. Uma das conotações da expressão "estraçalhar uma borboleta sobre uma roda" é dispender um esforço grande para alcançar algo sem importância. Para quem gosta de música pop: Butterfly on a Wheel é, também, o título da bela canção do Mission, cujo refrão é Love breaks the wings of a butterfly on a wheel.
E o amor de Amy (Maria Bello) e Neil Warner (Gerard Butler) pela filha Sophie será colocado à prova. Neil Warner, bem-sucedido executivo do ramo de publicidade, na agência onde trabalha cultiva a inveja de alguns e a admiração de outros, como o seu chefe e a secretária Judy (Claudette Mink). Num fim-de-semana em que Neil tem programado um encontro com o chefe e Amy um encontro com as amigas, o casal é obrigado a contratar uma babá para cuidar da filha Sophie (Emma Karwandy). Tudo parece estar calmo, mas de súbito os dois se vêem raptados por Tom Ryan (Pierce Brosnan) e informados de que a filha deles, na verdade, está nas mãos de uma cúmplice. A partir daí, o roteirista William Morrissey tenta fazer de Tom Ryan um vilão implacável com objetivos obscuros. Os fatos sucedem-se de modo tão vertiginoso que, se o espectador se deixar confundir, pode até chegar a pensar que está vendo um bom thriller. Porém, a despeito dos esforços dos atores, o argumento é mesmo frágil como asas de borboleta. Não bastasse o exagero e a falta de bom senso das situações, o filme conta com uma das cenas finais mais mal-resolvidas e constrangedoras dos últimos tempos. Não à toa o filme nem entrou em cartaz nos Estados Unidos: ir ao cinema para assistir Encurralados é despender muito esforço para um retorno ínfimo.


sábado, maio 17, 2008

Homem de Ferro

Gwyneth Paltrow em Iron Man está linda como Pepper, a fiel e eficiente secretária particular de Tony Stark; Robert Downey Jr. não deixou por menos e fez um trabalho fenomenal como Tony Stark/Iron Man. Paltrow, de modo contido, faz de Pepper o protótipo da secretária competente, que nutre pelo chefe algo mais que respeito e admiração. Downing Jr., por sua vez, faz com maestria e charme o papel do patrão frio e calculista, que finge não saber da paixão da secretária.
O diretor Jon Favreau conduz a história de modo ágil, focando (méritos para o roteiro) sempre a personalidade contraditória, carismática e enigmática do engenheiro nato Tony Stark. Herdeiro da Stark Industries, empresa líder em produção de armas pesadas, após a demonstração de um novo armamento no Afeganistão, é capturado por uma milícia local. Seriamente ferido, é salvo por um estratagema científico de seu colega de prisão Yinsen (Shaun Toub). A situação obriga Tony a usar toda a sua habilidade e o seu conhecimento para fazer uma armadura rudimentar mas poderosa e tentar escapar com vida.
Esse é apenas o resumo da situação inicial de Homem de Ferro. A experiência abala as convicções de Stark, o que provocará choque de interesses com o sócio Obadiah Stane (Jeff Bridges) (a propósito, o veterano e eficiente ator faz de Obadiah um dos vilões mais carecas e mais patéticos do cinema). Nos EUA, com toda tecnologia à disposição em pleno porão de sua casa encravada num penhasco à beira-mar, Tony desenvolve uma nova espécie de energia, constrói a armadura perfeita e se torna o Homem de Ferro, para tentar desfazer males criados pela sua própria indústria. A voz de Jarvis, o computador que é a 'alma' da armadura, é do ator Paul Bettany.
A equação do Homem de Ferro: boa fonte + roteiro inspirado + atores consistentes + direção ágil = puro divertimento.

sexta-feira, maio 16, 2008

Um beijo roubado

Jeremy (Jude Law), um imigrante inglês, toca o próprio negócio - espécie de confeitaria intimista - em Nova York. Uma das freguesas assíduas é Elizabeth (Norah Jones), com quem Jeremy trava aquele tipo de amizade inocente e desinteressada, mas com potencial de quem sabe, talvez, um dia, ir um pouco, bastante, muito além de uma relação cordial-comercial. Porém, entretanto, todavia, eis que o fato desencadeador acontece: o relacionamento de Elizabeth está se desintegrando. Sem aviso prévio, pára de freqüentar a confeitaria, por um simples motivo: está a centenas de milhas, em busca da auto-estima perdida.
Para os novos amigos, justifica o fato de trabalhar noite (com o nome Lizzie num bar) e dia (com o codinome Beth numa lancheria) pelo objetivo de juntar dois mil dólares para comprar um carro.
Mas, entre um emprego e outro, entre uma cidade e outra, entre o testemunho de uma história paralela e outra (que incluem o relacionamento tempestuoso de Arnie [David Strathairn], um policial beberrão, e sua sensual, mas perdida esposa [Rachel Weisz]; e as aventuras da jogadora de pôquer Leslie [Natalie Portman]), Elizabeth mantém o contato com Jeremy por meio de cartões-postais enviados à confeitaria.
Wong Kar Wai, diretor oriundo de Hong Kong, abusa dos closes, das câmaras lentas e das cores fortes para tentar dar um tom 'artístico' a My Blueberry Nights (que virou Um beijo roubado). Alguém poderia ponderar que, devido às andanças de Elizabeth, a amizade dela com Jeremy fica em segundo plano boa parte do filme. Outro rebateria que perde o 'romance', mas ganha o 'road movie'. Um espírito mais crítico poderia avaliar que, devido à dispersão de foco nas histórias paralelas, a história 'principal' (Jeremy e Elizabeth) acaba mal-desenvolvida. Outro retrucaria que, na verdade, o filme não é sobre Jeremy e Elizabeth, e sim sobre a viagem de reconstrução da vida de Elizabeth. Talvez essa seja uma boa definição - e uma das qualidades - de Um beijo roubado: difícil de rotular.

sexta-feira, maio 02, 2008

A vida começa aos 40

A médica ginecologista Elisabeth Staf estaciona o carro com pressa e com mais pressa sai do carro em direção à igreja. É o casamento do filho. A pressa não a impede, porém, de argumentar com a fiscal de trânsito, ansiosa por multá-la. A conversa entre doutora e fiscal vira bate-boca (com direito a tapa no quepe e troca de comentários não muito elogiosos). É assim que Colin Nutley, diretor britânico radicado na Suécia, apresenta as protagonistas de seu novo filme: A vida começa aos 40 (Schwedisch für Fortgeschrittene / Heartbreak Hotel).

Por essa primeira cena, o espectador pode avaliar a personalidade das duas. Elizabeth: decidida, petulante, do tipo que não leva desaforo para casa. Gudrun: discreta, zelosa, do tipo que leva as coisas ao pé-da-letra. Claro que essas personagens vão se encontrar de novo e a desavença inicial será esquecida em prol de uma amizade irresistível, avassaladora, do tipo que não acontece muitas vezes. Afinal, as duas têm muita coisa em comum: quarentonas, (enrustidamente) fogosas e (teoricamente) desimpedidas. Dessa forma, Gudrun e Elizabeth passam a freqüentar juntas nas frias noites suecas a pista animada do Heartbreak Hotel.

Misto de Embalos do Sábado à Noite com Thelma e Louise, o tema da película realizada na Suécia (como os demais filmes de Nutley) é a importância de certos itens: a amizade, a música, a dança, a diversão, a compreensão dos filhos, a colaboração dos cônjuges (no caso, êx-conjuges). Se esses itens já são importantes em situações ditas normais, mais importantes se tornam num contexto de reestruturação. Aos quarenta e poucos anos, a recatada Gudrun (Maria Lundqvist) e a extrovertida Elisabeth (Helena Bergström, esposa do diretor e presença constante em seus filmes) não precisam mais ter vergonha de nada (nem mesmo de aceitar o fato de nunca ter tido um orgasmo). No auge das células cinzentas, dão-se ao luxo de escolher o momento apropriado de não utilizá-las.


A trajetória do diretor Colin Nutley é no mínimo inusitada:
mesmo sem falar sueco fluente firmou-se como um dos mais importantes realizadores contemporâneos do país escandinavo. Seu maior sucesso foi talvez Änglagard (House of Angels, 1990), sobre a estranha chegada de dois forasteiros numa pequena cidade. Nas palavras do jornalista Rob Hincks, o filme é "provavelmente a quintessência dos filmes suecos de verão de todos os tempos". Foi tanto o sucesso que rendeu uma seqüência.

Nutley já foi procurado por Hollywood, mas até o momento tem resistido a "vender a alma". Gosta mesmo é de trabalhar na Suécia e fazer os filmes a seu modo, com pouco de roteiro e muito de improviso. Segundo Nutley (ver entrevista em
http://www.sweden.se/templates/cs/Article____14295.aspx),
seu método de trabalho é simples. O elenco só fica sabendo sobre o que vai ser a cena três minutos antes dela ser rodada. Então Nutley discute com o elenco como seria a reação deles àquela situação na vida real. E o resto é por conta dos atores. A vida começa aos 40 é uma boa amostra dos prós e contras desse método.