Um filme dinamarquês em uma tarde dominical, o que mais eu posso esperar próximo da felicidade?
Claro, o fato de ele ter sido o vencedor do Oscar de Melhor Filme Internacional é um mero detalhe se levarmos em conta as emoções que o filme me proporcionou.
O nível de quanto um espectador se envolve com um filme vai depender de vários fatores.
Das experiências que a pessoa teve, de como o filme faz esse balanço entre a história contada e o dia a dia do indivíduo em questão.
À superfície, não tenho motivos para me identificar com o protagonista, um professor de Ensino Médio com a carreira estagnada, que dá aulas sofríveis, e tem como única válvula de escape os encontros com os três amigos e colegas de profissão (e de escola).
A gota d'água é quando a turma reclama à direção sobre a falta de empenho do professor, que confunde os tópicos e divaga durante as aulas.
Martin busca o refúgio em um singelo jantar com seus três camaradas, evento que vai mudar o rumo dessa história - e da vida do próprio Martin.
Os quatro cultivam uma relação divertida, embora com influências mútuas um tanto perigosas, principalmente quando o quarteto resolve testar uma tese.
Todos nascemos com um déficit de nível alcóolico prejudicial ao nosso desempenho, e a melhor versão de nós mesmos só é atingida quando esse nível é alcançado e mantido.
À medida que o experimento vai evoluindo, com o álcool diminuindo a ansiedade e deixando a imaginação aflorar, as aulas de Martin (Mads Mikkelsen) e de seus colegas professores melhoram substancialmente, inclusive a do professor de educação física, que tenta estimular o aluno apelidado de "Oclinhos" a ir bem no futebol.
Mas o filme é então sobre etilismo e a redenção de um professor, um misto de To Sir With Love com Farrapo humano?
Ledo engano.
Aí que está o truque de nosso insidioso diretor Thomas Vinterberg.
Nunca, jamais, confie em um diretor escandinavo, ou pior, dinamarquês, que na verdade nem é da Escandinávia, mas todo mundo vive confundindo.
A Dinamarca fica no extremo norte do continente, espécie de nariz da Europa, terra da Lego e terra em que não existe arrendamento. Só produz quem é dono, e só pode ser dono, quem quiser produzir. Isso que eu chamo de povo porreta.
No Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, a Dinamarca tem
55 submissões,
12 indicações e
3 Oscars:
o glorioso, forte, inesquecível e sempre merecedor de uma revisita,
A festa de Babette (Gabriel Axel)
e o épico
Pelle, o conquistador (Bille August),
dois filmes da década de 1980, e
agora este nosso adorado DRUK.
A propósito, existe o intertexto entre Druk e A festa de Babette.
O filme de Gabriel Axel sobre uma chef de restaurante que vai se refugiar num vilarejo remoto serve como estudo sobre o desprendimento, que "da vida nada se leva", mas também aborda alguns temas afins a Druk: a dualidade entre o sóbrio e o ébrio, a contenção e a descontração, a estagnação e a vida pulsando nas veias.
Como eu disse, nunca confie em um diretor dinamarquês, você pensa que a história é sobre isso, mas é sobre aquilo, ou não é apenas sobre isso, é sobre isto e aquilo.
No caso, Anika.
Maria Bonnevie interpreta a esposa de Martin.
Mãe de dois filhos, um adolescente, um pré-adolescente, ela é o fator principal do filme. Sim, o filme é sobre Anika.
Thomas Vinterberg faz um filme para falar de um personagem que mal aparece, está em apenas duas ou três cenas, mas o filme é sobre ela.
Sobre como Martin deixou de prestar atenção nela.
Sobre como Martin permitiu que ela se distanciasse.
Martin, Martin, onde você estava com a cabeça?
É a mãe de seus filhos, Martin.
Haverá tempo para Martin resgatar sua vida, o amor pela profissão, o amor por Anika, o amor por si mesmo?
É que o Thomas Vinterberg tenta nos responder em Druk, e não vou contar mais nada, além de uma confissão.
Uma lágrima escorreu em meu rosto na última cena.