sábado, dezembro 18, 2010

Oceanos

O documentário Oceanos (2010), dos diretores Jacques Cluzaud e Jacques Perrin, tem três etapas bem distintas, mas durante todo o filme prevalece a decisão convicta de não carregar as imagens com informações detalhadas sobre as espécies mostradas ou sobre qualquer outra coisa. Essa decisão contribui para que o espectador preste atenção nas imagens, e as imagens falam por si só.


Na primeira parte do filme, a atenção é focalizada para a incrível e deslumbrante diversidade das espécies oceânicas. O espectador de todas as idades (até de três anos) fica boquiaberto com as imagens ao mesmo tempo singelas e surpreendentes. Peixes, répteis, aves, crustáceos, mamíferos, kelps (algas gigantes) e toda a sorte de organismos pelágicos são mostrados em cenas de fabulosa plasticidade de encher os olhos de encanto. Até mesmo nas cenas de predador/presa, o equilíbrio e as leis da natureza são inexoravelmente respeitadas.

Na segunda etapa da película, o maravilhoso se torna sombrio. Aparece a espécie mais evoluída do planeta Terra! E nunca um filme deixou um fato tão claro: a espécie de cérebro mais requintado, a espécie capaz de invenções inimagináveis, a espécie que está no topo da pirâmide é a que mais ameaça a intricada e delicada teia de interrelações biológicas neste pálido ponto azul. Talvez a vida, em tudo o que ela tem de uniformidade e de diversidade, não devesse ter evoluído até o ser humano. É, caro(a) leitor(a), esta parte do filme é deprimente e depressiva. Dá vergonha de ser gente. Ainda bem que meu filho já estava dormindo.

A terceira parte é um contraponto à segunda, e uma volta às imagens fantásticas da primeira parte, agora com ênfase na reprodução, na esperança de continuidade. Quando as luzes se acendem, porém, as imagens que não saem da retina são aquelas que mostram a ação do belo e inteligente ser humano.

sábado, dezembro 11, 2010

Amor por acaso (2010)

O ator brasileiro Márcio Garcia estreia na direção de um longa-metragem com rara felicidade, comercialmente falando. Não que o filme vá ser um sucesso de bilheteria, é muito cedo para afirmar isso. Refiro-me à ideia de fazer uma coprodução com os norte-americanos e, assim, abranger um público potencial maior. Astros como Dean Cain (que faz par romântico com Juliana Paes), John Savage e Eric Roberts participam da película, que tem como principal qualidade o fato de não se levar a sério.
A cena que antecede os créditos finais é uma demonstração cabal disso. Mas não vou contá-la para não estragar a surpresa. Só vou dizer que Márcio Garcia parafraseia Hitchcock em sua mania de aparecer nos filmes. Quanto à "trama", bem, digamos que não se distingue muito de outras comédias românticas com esse tipo de título. Por sinal, não é o primeiro Amor por acaso (aliás, já existem vários) que aparece nas telas nem será o último. Da mesma forma, o título ianque (Bed & Breakfast) também não é nada original (Roger Moore já protagonizou um filme homônimo em 1992). Como se vê, Márcio Garcia não está preocupado em fazer algo diferente ou com muita identidade própria. O que ele pareceu preocupado em fazer foi filmar rapidinho um roteiro bobinho com algumas personagens engraçadas e umas cenas razoavelmente divertidas. As boas participações de Eric Roberts, na pele de uma personagem surpresa, do ator que faz o advogado da personagem Ana (Juliana Paes) e, principalmente, do labrador Roman, que vive Kevin, o melhor amigo do pobre-menino-em-processo-de-separação Jake (Dean Cain).

Claro que o filme é um prato cheio para ser espinafrado pela crítica oficial e não oficial. Mas não estou aqui para isso. Meu olhar é (quase) sempre condescendente e benevolente. Por isso, procuro analisar o que o filme tem de positivo. A trilha sonora é legalzinha, o inglês da Juliana Paes não é dos piores e até rola uma certa "química" entre o par romântico. Mind you, Marcio Garcia tem futuro como diretor.

sábado, dezembro 04, 2010

A rede social


Antes de mais nada: parabéns a você, nesta data querida, muitas felicidades, muitos anos de vida! No dia 6 de dezembro de 2005 foi publicado o primeiro post de meu blog no endereço blogspot. O post de hoje é comemorativo a essa significativa data. Na verdade o blog tem 7 anos e oito meses, se contarmos o período abril 2003 - dez 2005 (fase weblogger, infelizmente perdida no buraco negro dos blogs apagados sem aviso prévio ao owner).
Para comemorar o aniversário de um blog que cultua bons roteiros e cinema autoral, nada mais apropriado que falar de A rede social (2010), do diretor ianque David Fincher, cuja filmografia é: The Girl With the Dragon Tattoo (2011); The Social Network (2010); The Curious Case of Benjamin Button (2008); Zodiac (2007); Panic Room (2002); Fight Club (1999); The Game (1997); Seven (1995) e Alien 3 (1992).
O grande trunfo do filme é o roteiro de Aaron Sorkin e Ben Mezrich (autor do livro The Accidental Billionaires: The Founding of Facebook a Tale of Sex, Money, Genius, and Betrayal). É cada vez mais raro se assistir a um filme que se baseie apenas em diálogos. E A rede social baseia-se apenas nisso: conversas entre os variados personagens. Conversas puras e simples, sem espaço para pieguices nem emoções exacerbadas. O ator em ascensão Jesse Eisenberg (cuja maior realização até aqui havia sido Zumbilândia) interpreta o principal nome por trás da rede social Facebook: Mark Zuckerberg. Mark é retratado como um estudante de informática em Harvard com dificuldades de se integrar socialmente. Leva um fora da namorada Erica (Rooney Mara) e sobram-lhe pouquíssimos amigos. Entre eles, o melhor é Eduardo Saverin (Andrew Garfield), que acaba financiando o projeto de Mark (criar uma rede social na Internet). O capital inicial investido foi mil dólares. Com isso, Eduardo ficou com 30% da empresa recém-criada.
O problema é que semanas antes de o site entrar no ar, Mark havia sido procurado por três estudantes de Harvard e contratado para bolar uma espécie de rede social especial para os alunos da universidade. Quando descobrem que Mark havia colocado uma rede social no ar, os três se sentem usurpados da ideia. Dustin Moskovitz (Joseph Mazzello) e os gêmeos Winklevoss (ambos interpretados por Armie Hammer) não se conformam com o que eles consideram apropriação intelectual indébita. Paralelamente, a rede criada por Mark começa a atrair a atenção de muita gente, como o cara que criou o Napster e investidores de peso.
O filme aborda questões como honra, sobra de inteligência cerebral e falta de inteligência emocional, escolha errônea de amizades, sucesso subindo à cabeça, dificuldade de relacionamento, busca de ressarcimento nos tribunais, etc. A rede social é uma aula de como contar esse tipo de história: montagem dinâmica e direção discreta.

domingo, novembro 28, 2010

Daisy Miller

Daisy Miller, de acordo com Italo Calvino, em Por que ler os clássicos (Companhia das Letras, tradução de Nilson Moulin), é, na obra de Henry James, "(...) um dos textos mais claros, com uma personagem de moça cheia de vida, que explicitamente aspira a simbolizar a falta de preconceitos e a inocência da jovem América. Contudo, é um conto não menos misterioso que outros desse autor introvertido, inteiramente tecido como é pelos temas que se apresentam, sempre entre sombra e luz, ao longo de toda a obra."

No Brasil, os leitores não podem se queixar: a noveleta de Henry James tem no mínimo três traduções no mercado: a da Imago (Daisy Miller e um Incidente internacional, 1991) (tentei durante meia hora descobrir o nome da tradutora na Internet mas não achei, o que só comprova o quanto é desvalorizado este nobre ofício), a da L&PM, minha estreia como tradutor (A volta do parafuso seguido de Daisy Miller, 2008) e a da Armazém Digital (de Ana Maria Simeão Funck). Lembro que, enquanto eu traduzia a noveleta, trabalho realizado dentro da Oficina de Tradução Literária de Beatriz Viégas-Faria, tive a oportunidade de assistir ao filme homônimo, dirigido por um dos diretores mais imprevisíveis de Hollywood: Peter Bogdanovich, cara que assina desde excelentes películas até outras no mínimo pouco tragáveis.
O filme realizado em 1973 é uma adaptação bem decente da noveleta, com destaque para atuação da então namorada e musa do diretor, Cybill Shepherd. Abre parênteses para uma fofoca. Por sinal, a atriz, em sua autobiografia (Cybill Disobedience: How I Survived Beauty Pageants, Elvis, Sex, Bruce Willis, Lies, Marriage, Motherhood, Hollywood, and the Irrepressible Urge to Say What I Think), revela ter traído o diretor durante as filmagens, com um produtor careca. Talvez o sexto sentido do diretor (sim, homens também pressentem quando estão sendo traídos) tenha até ajudado para que ele imprimisse à película certa melancolia que enriqueceu a obra. Melancolia que, diga-se de passagem, está presente nas páginas de James, na amargura e na inação de Winterbourne (interpretado no filme por Barry Brown, ator que pouco depois acabou se suicidando), o americano com modos europeus que não consegue dar o braço a torcer à paixão que sente por Annie P. Miller, a Daisy. Quem quiser saber como eu traduzi a célebre frase que resume a personalidade da personagem protagonista (I'm fearful frightful flirt!) pode adquirir o exemplar 669 da L&PM pocket.

sábado, novembro 27, 2010

Peter Weir - The way back

Na contagem regressiva para ver o novíssimo Peter Weir, nada mais justo que se faça aqui neste blog que se diz cinéfilo uma breve retomada deste cineasta australiano essencial, nome garantido na minha lista de TOP TEN melhores diretores de todos os tempos.
Para quem não conhece Peter Weir, ele é o simpático e compenetrado sexagenário (nascido em 1944) na foto acima, com seu inseparável chapéu panamá. A foto foi tirada durante a produção de The way back, que tem estreia prevista para o fim de dezembro de 2010 (de olho no Oscar, talvez?).
Bem, nos dias de hoje, ninguém tem tempo para ler muito, ainda mais num blog sobre cinema. Então vou listar os filmes que ele fez. Os títulos falam por si só. Uma linha importante em sua filmografia é a que separa a fase australiana, mais visceral e contundente, da fase americana, mais "comercial" (no sentido de mais visto e mais popular), porém sem perder a característica autoral.
Para quem não conhece os filmes da fase australiana, lembre-se:

==> ninguém pode dizer que conhece cinema fantástico se não viu Cars that ate Paris e Picnic at hanging rock (Piquenique na montanha misteriosa);

==> ninguém pode dizer que conhece cinema de guerra se não viu Gallipoli;

==> ninguém pode dizer que conhece cinema de paixões violentas / jornalismo investigativo se não viu The year of living dangerously (O ano que vivemos em perigo);

==> ninguém pode entender uma pessoa se não conhecer seus cineastas preferidos.

FASE AUSTRALIANA
1974 The Cars That Ate Paris
1975 Picnic at Hanging Rock
1977 The Last Wave 1981 Gallipoli 1982 The Year of Living Dangerously
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FASE AMERICANA
1985 A testemunha
1986 A Costa do Mosquito 1989 Sociedade dos Poetas Mortos
1990 Green Card - passaporte para o amor
1993 Sem medo de viver
1998 O show de Truman
2003 O mestre dos mares
2010 The way back Narra a fuga de um pequeno grupo de prisioneiros de múltiplas nacionalidades de um gulag (campo de concentração para dissidentes políticos do regime stalinista) siberiano e sua jornada épica e transcendental de milhares de quilômetros cruzando cinco países inóspitos.
(Mais dados sobre a biografia de Peter Weir consultar o link: http://movies.yahoo.com/movie/contributor/1800023993/bio)

Você vai conhecer o homem de seus sonhos


Helena (Gemma Jones), depois de um longo casamento, é abandonada pelo marido Alfie (Anthony Hopkins), que compra um loft, um carro esporte e uma caixa de viagra. Helena busca orientação espiritual com a vidente Cristal (Pauline Collins). A filha de Helena e Alfie, Sally (Naomy Watts), tem pouco tempo para ajudar a mãe a superar a situação, afinal já tem bastante preocupações com o marido Roy (Josh Brolin), um escritor que emplacou o primeiro livro mas depois disso perdeu a mão e a confiança em si. Sally deseja formar uma família (leia-se, ter filhos), mas Roy insiste que ela continue tomando anticoncepcionais até que a coisa melhore. In the meantime, Sally tem que procurar um emprego. Para isso, usa seu invejável currículo (graduação em História da Arte) e consegue entrar numa galeria conceituada, como assessora principal do chefe (leia-se, secretária). Até aí tudo bem, pois o chefe Greg é interpretado por ninguém menos que Antonio Banderas. In the meantime (são muitas tramas paralelas), Alfie apresenta à filha Sally sua noiva, a loiraça Charmaine (Lucy Punch), enquanto Roy, inspirado pela musa e musicista de etnia indiana Dia (Freida Pinto) que acaba de se mudar para o bloco de apartamentos da frente, termina enfim o novo livro e envia à editora para ver se ele será aprovado para publicação. Esse parágrafo aí de cima é a "sinopse" da trama ou do enredo do mais recente filme do cineasta Woody Allen, um dos preferidos de minha querida mãe (mas, confesso, ele dificilmente me empolga) (mas, confesso, este filme quase chegou a me empolgar). O filme se passa em Londres, e o humor que permeia as cenas, por incrível que pareça, também tem um certo sotaque britânico. Sem querer comparar Woody Allen com Shakespeare, mas as personagens woodyallenianas são humanas, demasiado humanas. Patéticas. Ridículas no que há mais de ridículo na natureza humana, e, ao mesmo tempo, tão triviais. Como já fiz questão de frisar, não sou especialista em Woody Allen, não consigo tecer comparações do tipo "ele está cada vez melhor", nem afirmações bombásticas como "o melhor filme dele dos últimos anos". Se tem obra de um diretor na qual sou fraco, fraquinho, essa obra é de Woody Allen. Apesar desse afastamento instintivo, sou obrigado a reconhecer que You will meet a dark tall stranger (Você vai conhecer o homem de seus sonhos, 2010) tem uma qualidade rara, um humor soturno e irônico, beirando o humor negro, que o torna um entretenimento de qualidade.
Numa era em que a moda é criticar tradutores de modo leviano (até mesmo tradutores criticando seus pares, numa total falta de ética), quero aqui fazer um elogio público: o tradutor ou tradutora que legendou este filme teve excelentes soluções tradutórias.

quarta-feira, novembro 24, 2010

Dona Flor e seus dois maridos

Na noite do dia 20 de novembro de 2010, um sábado, deixei o meu filho de três anos com a madrinha dele (coincidentemente, minha irmã) e lá fui eu, na, como sempre, agradável companhia de meu blazer Spirito Santo e, é claro, da mãe de meu filho, com destino às poltronas B-13 e B-14 da plateia do Teatro São Pedro.
Stop. Rewind. Explicando. Na verdade eu tinha ido comprar ingressos para o show da Tereza Salgueiro, mas descobri que havia sido cancelado. Ora, não sou de perder a viagem e de imediato escolhi dois excelentes lugares para a peça.
Depois de adquiridos os ingressos, passei a pesquisar sobre a qualidade da peça. Descobri, por exemplo, que a Bárbara Heliodora havia resenhado positivamente a adaptação da obra de Jorge Amado, dirigida por Pedro Vasconcelos. E também descobri uma resenha de um cidadão de João Pessoa criticando a peça e insinuando que a Bárbara Heliodora precisava trocar de óculos. E parei por aí na minha pesquisa. Restava conferir e ver com qual das duas opiniões eu mais concordaria.
Eis que chega a tão esperada data e, depois da operação logística já explicada acima, lá estávamos (a Andrea, meu blazer e eu) no teatro mais charmoso do Rio Grande do Sul.
Desnecessário dizer que é sempre uma ótima sensação estar naquele ambiente. Pessoas bonitas, cultas e... uma menina de quatro anos! Hum... isso que eu chamo de mãe liberal. Levar a filha na mais tenra idade a um espetáculo em que ao que consta haverá uma cena de nu frontal masculino. Mas a mãe dela pareceu tirar de letra os olhares de censura que recebeu (e a menina pelo jeito se divertiu, pois a peça é mesmo divertida e musical).
Bem, a esta altura o leitor mais atento já terá percebido que este blogueiro concordou mais com os argumentos de quem elogiou a peça do que com os de quem a criticou negativamente.
Sem dúvida, o espetáculo aproveita as melhores cenas do livro para encená-las no palco. O competente elenco, com Cláudio Galvan no lugar de Duda Ribeiro como Dr. Teodoro, provoca risos e até breves momentos de introspecção, com destaque para os monólogos de Florípedes, mais conhecida como Flor (Carol Castro, que substituiu Fernanda Paes Leme). Completa o trio principal de atores Marcelo Faria, o pândego Vadinho.
Ao cabo da peça, uma grata surpresa: os atores esperam os aplausos cessarem e travam uma conversa descontraída com a plateia. Um rapaz que estava na minha frente elogiou o ator Marco Bravo, que interpreta Dorival Caimmy (e, por sinal, marido de Carol Castro). E o público saiu satisfeito, lembrando da frase de improviso de Marcelo Faria:
"Tá calor no Pelourinho!" (proferida quando ele passou perto de uma moça da plateia e ela ficou se abanando) e também do bordão "Tem toda!", a resposta de Flor quando o segundo marido pede licença à esposa para deitar-se com ela.
P.S. Valeu, mAninha!

domingo, novembro 07, 2010

Baarìa - a porta do vento

O diretor italiano Giuseppe Tornatore (nascido em 1956) logo em seu segundo filme alcançou um sucesso descomunal. O Oscar de Melhor Filme Estrangeiro abiscoitado por Cinema Paradiso (1988) alavancou a carreira incipiente para um patamar talvez inesperado para o jovem realizador. O mais recente filme de Tornatore mostra as muitas qualidades aprimoradas em uma sólida carreira como roteirista e cineasta. Porém, dá margem a algumas críticas, em especial, por indícios de megalomania.
Por exemplo, ao terminar o filme, aparece o nome do diretor em letras garrafais. Como se ele tratasse o próprio nome como grife ou marca. Nada de "dirigido e roteirizado por", apenas "GIUSEPPE TORNATORE". Em sua defesa, poder-se-ia dizer que, em se tratando de cinema autoral, o mérito artístico é e sempre foi atribuído ao cineasta. Tornatore apenas arrumou um meio mais escancarado de chamar a atenção para isso. Deixando essa discussão de lado, a pergunta que eu quero responder aqui é: valeu a pena passar 150 minutos de minha vida no cinema para assistir a Baarìa, a porta do vento (2009)?
Confesso que a resposta também merece letras garrafais: SIM!
O filme abarca três gerações da família Torrenuova, natural de Bagheria, localidade próxima a Palermo, na Sicília. A ênfase é em Giuseppe Torrenuova (Francesco Scianna), conhecido pelos familiares como Peppino. Giuseppe na juventude se filia ao Partido Comunista e vive aventuras e desventuras tentando se eleger deputado, ao mesmo tempo em que casa com Mannina (a insinuante Margareth Madè) e cria uma penca de filhos. As ideias políticas de Giuseppe vão se tornando mais amenas ao longo de sua vida para, no final, tornar-se um "reformista". Que, segundo a descrição de Peppino, é alguém que aprendeu que não adianta dar murro em ponta de faca. Mas a faceta política do filme não chega a ser aprofundada. O filme nem de longe lembra a densidade e o engajamento de um Ken Loach, por exemplo. O approach de Tornatore é mais suave, com um senso de humor apurado e transições rápidas entre um episódio e outro. Devido ao dinamismo do roteiro e da montagem, o espectador nem sente o tempo passar. Isso, por si só, já credencia e explicita a qualidade da película. Momentos divertidos e ternos não faltam. A trilha musical inconfundível vem do talento de Enio Morricone. Mas que ninguém vá ao cinema para ver Monica Belucci. Ela só faz uma pontinha na cena em que alunos de uma escola param a aula para espiar um pedreiro aos beijos com uma linda mulher num prédio em construção.

domingo, outubro 24, 2010

Fernanda Takai e Nico Nicolaiewsky + Orquestra de Câmara da Ulbra

No Salão de Atos da UFRGS, em Porto Alegre, no dia 24 de outubro de 2010, tendo início às 20h15min, realizou-se o concerto popular reunindo a cantora amapaense Fernanda Takai e o cantor gaúcho Nico Nicolaiewsky. O evento patrocinado pela Dana teve a regência do maestro Tiago Flores e os arranjos, em sua maioria, feitos pelo carazinhense Fernando Cordella (Abertura, Feito um picolé no sol, Ana Júlia, Bela baila, Coração de luto, Flor e Só cai quem voa). Os responsáveis pelos outros arranjos foram os músicos Arthur Barbosa (Luz Negra), Daniel Wolff (A vida é confusão), Iuri Corrêa (Com açúcar, com afeto), Pedro Figueiredo (Diz que fui por aí), Michel Dorfman (Ben) e Rodrigo Bustamante (Insensatez). Com um repertório variado que incluiu desde Los Hermanos, Teixeirinha, Chico Buarque, Tom Jobim e Vinícius de Moraes, e clássicos como Ben, um dos primeiros sucessos de Michael Jackson, além de canções de Nico Nicolaiewsky, o show se estendeu até as 21h30, com direito a bis da música A vida é confusão. O show teve duas partes distintas. Na primeira, com ênfase no piano e voz de Nico Nicolaeiwsky. Essa primeira etapa teve como pontos altos a homenagem a Teixeirinha (com o belo arranjo para Coração de luto) e a comovente Bela baila, cantada em dueto com Pedro Veríssimo, o coautor da música. Então a convidada especialíssima da noite entrou para cantar a primeira performance de A vida é confusão (música de autoria de Nico). A partir daí quem brilhou foi a cantora do Pato fu, considerada uma das dez melhores cantoras do mundo. Essa etapa do show foi bem diferente da primeira em termos de musicalidade e arranjos, com mais presença da percussão. No bis, o público bateu palma para acompanhar a canção Só cai quem voa e aplaudiu de pé o repeteco de A vida é confusão.
Foto: Andrea Polidori Celia.

Piranha 3-D


Diferentemente de Zumbilândia, que nada acrescentou (muito antes pelo contrário) para o gênero trash/zumbis, Piranha 3-D (2010) é um suculento upgrade ao gênero trash/piranhas. A saga piranhística iniciou na década de 1970 com filmes de reduzida expressão. Em 1978, as piranhas se tornaram estrelas nos cinemas de todo o mundo, numa produção de Roger Corman com direção de Joe Dante. Desde então, as vorazes dentuças vêm aterrorizando plateias de várias gerações. A sequência oficial veio em 1981 (Piranhas II: Assassinas Voadoras), com ninguém menos que James Cameron na direção. Agora, turbinadas pela tecnologia 3-D, as sanguinárias piranhas estão de volta, sob a batuta do diretor francês Alexandre Aja, que se lançou no circuito de filmes de horror com Haute tension (2003). Wes Craven assistiu a película e convidou Aja para dirigir o remake de Quadrilha de sádicos (The hills have eyes, 1977). A refilmagem ganhou o título no Brasil de Viagem Maldita (2006). Depois disso, Aja lançou Espelhos do medo (Mirrors, 2008). Como se vê, ninguém pode acusar Aja de incoerência. Escolheu um "gênero" e, nesse processo, se especializou, ou seja, cada filme novo é melhor que o anterior. Guardem o nome dele: esse cara ainda vai fazer um bom filme.
Desta vez, o cenário da carnificina é o fictício Lake Victoria (na realidade o Lake Havasu, Arizona). Na cena inicial, Richard Dreyfuss se presta para encarnar um pescador na hora errada no lugar errado. Falando em se prestar, adivinhe quem é a xerife responsável por tentar controlar uma situação que se tornará incontrolável? A respeitável Elizabeth Shue. Na pele da xerife Julie Forrester, tendo como fiel escudeiro o guarda interpretado por Ving Rhames, Shue enfrenta um dos maiores desafios da carreira: não o preconceito de participar de um gênero considerado menor depois de atuar em dramas como Despedida em Las Vegas, que lhe valeu indicação ao Oscar, mas sim um guloso cardume de piranhas mesolíticas. Um evento sísmico cujo epicentro é o lago abre uma fenda e libera criaturas de milhões de anos, verdadeiros fósseis vivos (e sedentos de sangue). Para a sorte dos insaciáveis peixinhos, está chegando na cidade (cuja principal atração é o lago) uma leva maciça de turistas (que quadruplica a população local) e também a deliciosa equipe de produção de um filme pornô.

Zazie no metrô

Adaptação do romance homônimo de Raymond Queneau, o filme Zazie dans le metro (Zazie no metrô, 1960) consegue transmitir a graça literária desta emblemática personagem. Quando o livro foi lançado, chamou a atenção pela inovação linguística: as personagens falavam em dialetos próprios, com direito a neologismos e modos particulares de expressão. A legendagem para o português em dvd optou pelo pragmatismo e o que se vê são personagens gramaticalmente corretos.
Mas esse detalhe não diminui o prazer de assistir ao filme. Para quem já leu o livro, é uma oportunidade ímpar de ver personagens inesquecíveis como a desbocada Zazie, o misterioso Gabriel, o rabugento Turandot, o taxista Charles, a serelepe Mado, a suave Albertine e o truculento policial Trouscaillon (sem falar no irreverente papagaio Laverdure) ganharem vida na pele de Catherine Demongeot II, Philippe Noiret, Hubert Deschamps, Antoine Roblot, Annie Fratellinie, Carla Marlier e Vittorio Caprioli, respectivamente.
A jornada de Zazie, que vem do interior com a mãe passar uns dias em Paris com o principal objetivo de conhecer o metrô (que, para o azar e a revolta da menina, está de greve), tem elementos e mostra influências de Lewis Carroll e James Joyce. Em outras palavras, Zazie tem um pouquinho de Alice e também de Ulisses, em sua odisseia para conhecer a cidade luz.
A propósito, no livro Paris, biografia de uma cidade (L&PM Editores) , o historiador britânico Colin Jones cita a obra de Raymond Queneau para frisar como os parisienses confundem os monumentos e prédios famosos, mostrando desconhecimento e falta de senso histórico em relação à paisagem urbana. Já Zazie demonstra é desdém pelos próprios personagens históricos, fato cabalmente exemplificado por seu famoso bordão "Napoleon mon cul" (Napoleão o caralho, na tradução de Paulo Werneck).
Falando em tradução, o leitor brasileiro não pode reclamar: tem duas traduções disponíveis (pelo menos em sebos): a de 1985, assinada por Irène Harlek Cubric (editora Rocco) e a de 2009 por Paulo Werneck (editora Cosac Naify).
O diretor Louis Malle, que iniciou a carreira filmando o mundo submarino em companhia de Jacques Costeau e que realizaria um dos maiores triunfos da carreira em 1987 (o clássico Adeus, meninos - Au revoir les enfants), faz de Zazie no metrô, com humor, surrealismo e non sense, um filme não menos interessante que o livro.

terça-feira, outubro 12, 2010

Vincere

O experiente diretor Marco Bellocchio em Vincere (2010) nos conta a desesperadora história de Ida Dalser, amante de Benito Mussolini. Desde que Charlotte Rampling hipnotizou plateias em O porteiro da noite (The night porter, 1974), de Liliana Cavani, nunca se viu nas telas um amor tão doente. Se no filme de Cavani a esquisita e insondável Charlotte Rampling interpretava a mulher de um famoso maestro que reconhece no porteiro do hotel o nazista que a seviciou e numa inexplicável atração volta a se envolver com ele, agora a não menos esquisita e insondável Giovanna Mezzogiorno encarna um tipo diferente e mais comum de doença: Ida Dalser ama Benito Mussolini, que não ama Ida Dalser. Relação em que ela se entrega de corpo e alma e ele apenas de corpo, para utilizar um linguajar clichê. Mas só quem já passou por isso sabe o quanto isso pode ser doentio. Enfim, o amor de Ida é tão forte e visceral que ela se considera a mulher legítima de Benito e engravida dele. Estamos em 1915. A criança é registrada com o nome do pai, e a partir daí a ascensão de Benito Mussolini como líder político afasta o foco do filme do "amor doentio" para "um estranho no ninho". Ou seja, Ida Dalser passa a assediar Mussolini e acaba numa instituição para doentes mentais. O filho é levado à força a um internato. E aí se desenvolve o drama de mãe e filho, obcecados pela figura de um ser carismático, mas maquiavélico.
Certas cenas deste filme são cinema puro, sem diálogos. Como a das explosões na rua, o povo corre para dentro da galeria, e da fumaça surge a anônima mãe empurrando calmamente um carro de bebê. Ou como a de Ida subindo na grade do hospício durante a nevasca e arremessando cartas ao léu. Destaque também para a atuação impressionante de Filippo Timi, primeiro como Benito pai, depois como Benito filho.

domingo, outubro 10, 2010

Comer rezar amar

Dirigido por Ryan Murphy (que assinou o drama mal-recebido pela crítica Running with scissors, 2006), Comer rezar amar é a adaptação fílmica do romance de autoajuda homônimo, de autoria de Elizabeth Gilbert. Não vou entrar nem em detalhes nem no mérito da questão envolvendo os motivos do divórcio de Liz. Tipo, já é louvável que o homem não é pintado como o crápula da história. O fato é que ela se divorcia e tem que reconstruir a vida. Nisso reside talvez o sucesso do livro/filme: são tantas as pessoas que enfrentam essa situação que sempre acaba sendo catártica para essas pessoas a experiência de ler/ver alguém procurando soluções a esse intricado problema. A solução apresentada por Liz é bem didática: comer, rezar e amar são ações que ajudam a cicatrizar quaisquer feridas, por mais profundas.
Na Itália, comer. Na Índia, rezar. Em Bali, amar.

Esse é o roteiro do road movie de Murphy, e, como todo e qualquer road movie, a personagem que faz a jornada conhece gente legal e passa por situações reconfortantes mas que não diminuem suas incertezas. A fase mais divertida, colorida e saborosa sem dúvida se passa na Itália. Na Índia é a fase mais introspectiva e meditativa. Por fim, que tal conhecer um brasileiro sedutor em Bali? Voando, pedalando e navegando, Liz procura suas respostas. Julia Roberts? Muitas atrizes já receberam Oscar por bem menos.

Tropa de elite 2


Diferentemente do primeiro filme, onde pairava no ar uma dúvida sobre qual o "lado" defendido pelos realizadores (por conta de uma equilibrada exposição de pontos de vista opostos), em Tropa de elite 2 a máscara cai e o que vemos é um filme maniqueísta, quase beirando o simplório. Em termos cinematográficos, também, a nova película é inferior, com a narração em off substituindo a ação trepidante. A obsessão dos produtores em evitar pirataria parece ter sido o foco, em vez da manutenção dos padrões artísticos. Não que eu não tenha apreciado cada segundo de Tropa de elite 2. Não que o filme não tenha momentos aterradores, engraçados, sarcásticos, irônicos, viscerais e emocionantes.
E alguém poderia com certa razão indagar: o que querer mais de um filme do que momentos aterradores, engraçados, sarcásticos, irônicos, viscerais e emocionantes? Pois Tropa de elite 2 é a prova que um filme pode ter tudo isso e ainda assim decepcionar o espectador. A crítica ao "sistema" acaba soando uma saída fácil demais. Mesmo recheando o filme com momentos que atingem o espectador, parece que na hora de definir "o alvo" o roteiro perdeu o rumo e decidiu "colocar a culpa" em políticos e policiais corruptos.
Fico pensando se talvez eu não tenha dado a este texto um tom mais "crítico" por méritos desses mesmos produtores, roteiristas e cineastas, que conquistaram o público em 2007 e alavancaram os patamares de exigência (e senso crítico) desse mesmo público.

sábado, outubro 02, 2010

15 anos e meio


15 anos e meio (15 ans et demi, 2008) - dirigido e roteirizado pela dupla François Desagnat e Thomas Sorriaux - baseia-se no livro homônimo de Vincent Ravalec. O enredo trata de Philippe Le Tallec (o impagável Daniel Auteuil), o mais americano dos cientistas franceses, que há quinze anos deixou a França para fazer suas pesquisas em Boston.
Agraciado com prêmios de excelência no campo profissional, Philippe tem deixado a desejar no relacionamento com a filha Eglantine (Juliette Lamboley). Afinal, nesta década e meia de ausência, pouco tem convivido com ela; apenas se encontram em viagens esporádicas.
Mas nunca é tarde para uma reaproximação, e a mãe de Eglantine pede a Philippe que venha à França cuidar da menina-moça por três meses. E a primeira coisa que ele faz é preparar para ela um típico desjejum norte-americano, desdenhado pela filha. Durante o período que vai ficar cuidando da filha, Philippe é convidado por um amigo a chefiar uma equipe de cientistas para inventar um tônico capilar. Entretanto, mais difícil que fazer crescer cabelo numa linda moça careca é saber lidar com uma filha de quinze anos e meio.
Para conseguir o intento de estabelecer uma relação de amor e respeito com a filha, Philippe contará com as dicas de duas pessoas. A primeira é um amigo imaginário: ninguém menos que Albert Einstein, com quem Philippe troca ideias quase sempre em momentos insólitos. O segundo conselheiro é Jean Maxence (François Damiens II), autor de livros de autoajuda para pais com filhos rebeldes. Mas a tarefa não será nada fácil. Afinal de contas, Eglantine anda às voltas com pretendentes, paixões platônicas, festas, shows, amigas que escrevem blogs sensuais, enfim, toda a cornucópia de emoções, descobertas e dúvidas de uma adolescente. Na última categoria, é claro, não podia faltar a dúvida entre o descolado Vincent e o tímido Gaspard. O primeiro desperta o interesse dela, enquanto o segundo faz mais o estilo amigão (mas que no fundo nutre por ela 'algo mais').
O que se esperar de um filme com essas características? Não muito, é claro. Mas não vai errar por muito quem esperar bom humor temperado com pitadas de ternura.

segunda-feira, setembro 27, 2010

Todo mundo está mudando (Keane)


Todo mundo está mudando

Você diz que vagueia nas terras de sua propriedade
Mas quando penso no assunto não sei como isso pode ser verdade
Você sofre em seu seio, você se quebra ao meio
E posso ver a dor no seu olhar
Dizendo: todo mundo está mudando
E não sei explicar.

Tão pouco tempo
Tente entender: eu tento
Fazer um movimento
Para manter o jogo ferrenho
Tento permanecer desperto
E lembrar do nome que tenho
Pois todo mundo está mudando
E eu não sou mais o mesmo.

Você se foi daqui
Em breve vai sumir
Junto à bela luz do entardecer
Pois todo mundo está mudando
E não me sinto certo.


Título do original: Everybody's Changing
Rice-Oxley/Chaplin/Hughes
(do álbum Hopes and Fears)

Tradução: Henrique Guerra.


sábado, agosto 14, 2010

Nolan, Tarantino e Tirard


O God! can I not save
One from the pitiless wave?
Is all that we see or seem
But a dream within a dream?

Nos versos de Edgar Allan Poe (1809-1849), a ideia de um sonho dentro de um sonho já havia sido magistralmente explorada. Quase duzentos anos depois, Christopher Nolan retoma a premissa. Pena que em vez de um sublime poema de 24 versos agora o produto é um pedante e pseudointelectual filme de duas horas e meia. Na primeira camada onírica, o diretor Christopher Nolan (o cara responsável primeiro por Amnésia e depois por Insônia) sonhou que tinha cacife e talento para transformar um roteiro delirante num blockbuster. Na segunda camada, concluiu que Hollywood era um deserto de ideias ávido pela incrível originalidade oriunda de suas pequenas células cinzentas. Na terceira, entrou numas que podia conseguir os melhores efeitos, o melhor elenco, a melhor direção de arte, enfim, tudo que a indústria tem de melhor para transformar seu sonho delirante em realidade. E o mais incrível é que tanto a primeira quanto a terceira camadas estavam rigorosamente exatas. Quanto à segunda, bem, fica por conta da opinião pessoal de cada um. A sensação que tive ao assistir A origem foi a de ser engolfado por um ruidoso (e impiedoso) tsunami de supostas genialidades. Mescla perfeita de histeria e pretensão.

Qual o antídoto ideal para uma película intelectualoide? À prova de morte, o trash assinado por Quentin Tarantino, cineasta defensor da violência como modo de entrar em sintonia com a plateia. E violência em doses generosas é o ingrediente principal deste filme realizado no projeto Grindhouse, que imita as matinés da década de 70, em que os cinemas passavam dois ou mais filmes encordoados pelo preço de um só ingresso. No caso o filme que faria a dobradinha com a película tarantinesca é Planeta Terror, de Robert Rodriguez (ver texto neste blog). O modelo, no entanto, não vingou no circuito comercial, e os filmes foram lançados em separado, com metragem extra. Diferentemente de Planeta Terror, À prova de morte não é protagonizado por zumbis e matadores de zumbis, e sim por um dublê psicopata (Kurt Russel) e uma dublê nem tão psicopata, mas não menos maluca (a neozelandesa Zoe Bell, interpretando a si mesma). O resultado são diálogos impagáveis e cenas de carro que nos remetem às clássicas cenas de Bullit (1968). Como se vê, À prova de morte não rende homenagem apenas aos filmes "B".


Para completar a trinca de boas pedidas cinematográficas em cartaz nos cines de Porto Alegre, a comédia O pequeno Nicolau, baseada na obra de René Goscinny e dirigida por Laurent Tirard (de As aventuras de Molière). O universo de Nicolau envolve o pai ansioso por ser promovido na empresa e a mãe frustrada por não saber dirigir. Na escola, colegas dos mais variados tipos: o puxa-saco, o glutão, o lerdo e o riquinho, entre outros estereótipos. A exemplo de Tarantino, Tirard não quer tirar coelhos da cartola para fazer um bom filme. O pequeno Nicolau é a antítese completa de A origem. Enquanto o filme de Nolan pomposamente procura ser surpreendente e original, o que torna O pequeno Nicolau agradável é justamente a discreta maneira de mostrar o humor por trás das situações prosaicas.

domingo, maio 23, 2010

Só dez por cento é mentira


Em cartaz no CineBancários documentário sobre a obra e a vida do pantanense Manoel de Barros. Assina a descinebiografia Pedro Cezar, e a linguagem escolhida para abordar o tema foi adequada. Intercala tomadas em que o próprio poeta responde algumas perguntas propostas pelo cineasta com depoimentos de pessoas que o conhecem ou são envolvidos de um modo ou outro com a sua obra. Para essa parte, Pedro Cezar selecionou alguns personagens essenciais para a trajetória desse "poeta em tempo integral", como definiu Abílio, o irmão caçula de Manoel, bem como pessoas para quem a obra de Manoel é essencial.
Além de Abílio, os depoentes incluem desde pessoas do meio artístico-jornalístico-dramatúrgico-literário, como Fausto Wolff, Adriana Falcão, Bianca Ramoneda, Jaime Leibovicht, Danilinho, Viviane Mosé, Elisa Lucinda e Salim Ramos Hassan, até familiares como a esposa Stella Barros e os filhos Martha e João de Barros, passando por pessoas do meio rural, como o espontâneo e engraçado Palmiro. Não depõe mas é lembrado outra personagem da fazenda de Manoel: o silencioso Bernardo, em cujos ombros os passarinhos pousavam a um mero aceno e em cujas mãos os peixes brincavam no rio. Para costurar todos esses elementos, nada melhor que versos manoelenses pinçados a dedo para elucidar os diversos tópicos. Poemetos visuais também colaboram para dar corpo à obra, que ao final se parece com um poema de Manoel: curto, lírico e musical.

sexta-feira, abril 02, 2010

How to train your dragon


Soluço é um menino que desonra a tradição de seu povo. Não tem vocação nenhuma para matar dragões - a razão de ser dos vikings. Considerado um caso perdido pelo seu exigente e incompreensivo pai, participa assim mesmo junto com uma turma de crianças de um treinamento para combater dragões numa arena (tipo um Coliseu viking). Triste e sentindo-se pressionado pelo stablishment, um belo dia o garoto encontra um dragão manietado na clareira de uma floresta. Em vez de matá-lo, Soluço corta as cordas que prendem a fera - uma das espécies mais raras e desconhecidas, o Fúria da Noite. É o começo de uma amizade que vai render muitas surpresas e aventuras. Soluço descobre o lago onde o dragão mora e o conquista com peixes frescos. Estabelece-se uma relação de mútua vantagem: Soluço instala um estabilizador no rabo do dragão (que perdera um dos lados da barbatana), possibilitando assim que ele pudesse voltar a voar. Banguela (assim batizado por Soluço pois o dragão consegue recolher os dentes) permite que Soluço o conduza nos voos. Com referências literárias (a mais óbvia sendo Beowulf, a obra seminal da literatura inglesa) e cenas planejadas especialmente para otimizar os efeitos 3-D, Como treinar o seu dragão é melhor entretenimento que muitos "filmes-cabeça" por aí.

quinta-feira, abril 01, 2010

Conta outra


Hoje está na moda chamar poetisas de poetas, mas teve uma época em que se ensinava na escola que o feminino de poeta é (era) poetisa. Feministas acreditam que poetisa é um termo sexista, talvez por isso a atual popularidade de poeta comum de dois. Só queria dizer uma coisa. Poetisa é uma palavra bonita. Mais bonita até do que poeta. E mais feminina e delicada.

Pois este post tem a intenção de comentar o lançamento do livro da poet(is)a Márcia Knop.
[by the way: poet (is) a Poe tis' a poetiza
poetisa!]

Como ia dizendo, essa moça baiana e cosmopolita morou em Porto Alegre (entre outros e variados lugares) e hoje mora em Washington, D. C., digo, Brasília. A tradução literária nos uniu colegas em duas memoráveis oficinas. Eis que o talento da menina não se limitava à sociologia e a voos tradutórios: por baixo, mansa e subterraneamente, corria um regato que aflorou em água de cristalina poesia: Conta outra, da Editora Livronovo (http://www.livronovo.com.br/).
Finura nos dois sentidos: de um fino moderno (ou seja, à la Manoel de Barros) e de uma finèsse irretocável, uma sensibilidade refinada. Do tipo que fica melhor a cada releitura. Abaixo duas amostras pinçadas dos 38 poemas:

Alta-costura
o meu vestido
indefectível
foi feito à mão
é um romance
de mistério
a trama do tecido
é elaborada
a textura,
sem emenda,
provoca
uma sensação
visual e outra tátil
segredos
somente desvendados
pela alta-costura
abrir seus botões
é um risco

Microplaneta
projeta-se para frente,
mês a mês,
esférica
ao vê-la,
a associação é imediata
globo terrestre
um hábitat
completo,
por longas
40 semanas

(Knop, Márcia. Conta outra. São Paulo: Livronovo, 2009)

quinta-feira, março 11, 2010

Um olhar do paraíso


Quando Kate Winslet ganhou o Oscar de Melhor Atriz em 2009, Peter Jackson deve ter murmurado: "Eu já sabia". Lançada por ele no cult movie Heavenly creatures (Almas gêmeas) em 1994, Kate iniciou com o pé direito a sua meteórica carreira. Ninguém, portanto, venha a se surpreender se daqui a quinze anos Saoirse Ronan, a cativante Susan Salmon de Um olhar do paraíso, estiver seguindo os passos de Kate. Peter Jackson tem faro. Autor dos clássicos do terrir Náusea total (Trash, 1987) e Fome animal (Braindead, 1992), mais tarde Jackson realizaria Os espíritos (1996), a trilogia O Senhor dos Anéis (2001-02-03) e King Kong (2005). E como sói acontecer quando o cara atinge o topo, começa a ser espinafrado pela crítica.
Resenhistas do calibre de Roger Ebert, entre outros, esculacharam o novo filme de Peter Jackson, sob a alegação que tem efeitos demais e embeleza um ato horrível. Acho que essas pessoas não viram o mesmo filme que eu vi, ou talvez eu tenha visto o filme com os olhos de um fã que se tornou pai há não muito tempo. Mas a verdade é que Um olhar do paraíso me emocionou bastante. Afinal, nada mais é que a história de uma família. A família Salmon e a menina dos olhos da família, a primogênita Susan. Dona de uma beleza exótica e de olhos azuis transparentes, a menina-moça de 14 anos conquista todos que a conhecem, principalmente o colega de escola Ray (Reece Ritchie). Numa das cenas que mostram a personalidade da protagonista, o irmãozinho dela, Buckley (Christian Ashdale) engole um graveto e para de respirar. Os pais não estão em casa. Incontinenti, Susan pega o carro, coloca o irmão no banco e o leva ao hospital. É por ser assim tão decidida que Susan acaba atraindo outros tipos de olhares, inclusive o de um solitário homem que vem morar na vizinhança, George Harvey (Stanley Tucci, irreconhecível). Ele será o algoz de Susan. Isso não é spoiler porque o trailer do filme conta quem é o assassino e nos primeiros dez minutos a narradora (Susan, do in-between, da região intermediária entre os vivos e os mortos) já nos conta quem foi a pessoa que a assassinou.
Depois que o brutal crime acontece, Susan é dada como desaparecida (o corpo nunca aparece, apenas o gorro e bastante sangue), e a família Salmon se desestrutura. Inconformados, o pai Jack (Mark Wahlberg), contador e nas horas vagas modelista-de-barcos-em-garrafas, e a mãe Abigail (Rachel Weisz) passam a se desentender; cada um reage de forma diferente para tentar se relacionar com a dor da perda. A irmã Lindsey (Rose MacIver) e a vó Lynn (Susan Sarandon) mesmo sem demonstrar muito têm que absorver a revolta e a saudade.
Susan Salmon, por sua vez, não consegue se libertar da vida e ir para o céu. O modo violento com que lhe foi ceifado o mais precioso bem a deixam numa dimensão intermediária, em meio a cenários surrealistas e amizades como Holly (Nikki SooHoo). Com a ajuda de Holly, Susan procura aos poucos aceitar o que aconteceu e deixar que a sua família também siga adiante.

terça-feira, março 02, 2010

Amor sem escalas

Ryan Bingham trabalha numa empresa de reengenharia de pessoal, especializada em enxugar o quadro de funcionários de empresas pelos Estados Unidos afora, proporcionando aos novos desempregados oportunidades de recolocação no mercado de trabalho. Assim, Ryan atravessa as nuvens do país de oeste a leste e norte a sul para pessoalmente transmitir as informações aos escolhidos para serem exonerados. Implacável e eficiente em seu metiê, Ryan cultiva pouca ou nenhuma vida "pessoal". Passa mais tempo viajando de avião e se hospedando em sofisticados hotéis do que em seu apart-hotel na cidade-base. Esse é o perfil do protagonista de Up in the air (Amor sem escalas), do diretor Jason Reitman (que alcançou notoriedade pela realização de June). Interpretado por George Clooney, é um emblema da tão falada e alardeada "crise" do capitalismo, na qual as firmas precisaram reestruturar orçamentos e cortar gastos. O filme se desenvolve explorando a curiosa personalidade de Ryan, cujo sonho é alcançar a inimaginável marca de dez milhões de milhas de voo. Embora encontrar uma companheira não seja uma prioridade, ele acaba conhecendo a intrigante Alex Goran (Vera Farmiga, que com sua cena de nudez talvez abiscoite o Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante). Outra mulher que perturba a rotina da vida de Ryan é Natalie Keener (Anna Kendrick, outra concorrente ao Oscar de Atriz Coadjuvante), ambiciosa executiva que pretende revolucionar a empresa em que Ryan trabalha, cortando a necessidade de tantas viagens.
É um filme que se constrói com base em diálogos e relações interpessoais, a exemplo de June. Reitman meio que tenta definir um estilo e sedimentar a carreira com filmes mais intimistas, em contraposição ao cinema de blockbusters. Até quando ele vai conseguir permanecer sem vender a alma?




quarta-feira, fevereiro 10, 2010

Nine

Por que será que as "novas gerações" "não gostam de musicais"? Esse parece ser um consenso, ou um lugar-comum, ou um fato inegável, como queiram. A minha resposta é que não se fazem mais musicais como antigamente. Um filme não é bom ou ruim por ser "musical" ou não. Apesar do elenco fenomenal e da superprodução, Nine deixa a desejar. As músicas não empolgam e a história em si é um arremedo de 8 1/2 (1963). O problema é que Rob Marshall está longe de ser Fellini, embora talvez ele não considere isso.
O "plot" pode ser resumido assim: 'A film director, suffering from a lack of creative inspiration, retreats into a world of fantasies and remembrances of the women in his past and present.'
Pois esse é o resumo do site Yahoo Movies para 8 1/2 de Fellini.
A homenagem explícita aos estúdios e diretores italianos é, vamos dizer, o ponto forte deste filme, que se pretende uma análise sobre o fazer do cinema. Pergunto-me se Rob Marshall leu o livro Fazer um filme de Fellini, e se é que leu, se ele entendeu direito. Em resumo, Rob Marshall continua a fazer musicais que não convencem e a contribuir para a atual má fama dos musicais.
O fabuloso elenco inclui Daniel Day-Lewis (Guido Contini), Marion Cotillard (Louisa, a esposa de Guido), Penelope Cruz (Carla, a amante de Guido), Nicole Kidman (Claudia, a musa de Guido), Judi Dench (Liliane, a figurinista de Guido), Kate Hudson (a repórter tiete de Guido), Sophia Loren (a mãe de Guido) e Stacy Ferguson (a musa de Guido menino).

terça-feira, fevereiro 09, 2010

Tommy & Tuppence: sempre aventureiros

O universo de Tommy e Tuppence envolve espionagem, contraespionagem, mensagens cifradas, segredos de Estado, fugas, perseguições, reviravoltas, tiros, socos e até cabeçadas. Tommy, sempre com os pés no chão; Tuppence, intuição pura. Um casal que se ama e se alfineta com intensidade. Ao criar a dupla, Agatha Christie surpreendeu a Bodley Head (editora do livro de estreia da autora, O misterioso caso de Styles), que esperava novo whodunnit. Em vez disso, Agatha entregou um thriller insuperável.

O inimigo secreto (The secret adversary, 1922), primeiro livro com Tommy e Tuppence e segundo de Agatha, tem como dedicatória: “A todos os que levam uma vida monótona, com votos de que experimentem em segunda mão os encantos e os perigos da aventura”. Ao cabo da Primeira Guerra, Tommy e Tuppence precisam encontrar Jane Finn, que antes de escapar de um naufrágio recebe importantes documentos de um agente secreto.

Sócios no crime (Partners in crime,1929) é uma coletânea de contos que se interconectam. A segunda aventura dos Beresford inicia com Tuppence ansiosa por peripécias. Então Tommy recebe a missão oficial de cuidar de uma agência de detetives. Detalhe: em cada caso deslindado, Agatha homenageia (ou satiriza) um detetive da ficção policial (entre eles, o Padre Brown e Sherlock Holmes). Inclusive, numa das histórias, Tommy e Tuppence encarnam Poirot e Hastings para enfrentar ninguém menos que o Número 16 – brincadeira alusiva ao Número 4, vilão de Os Quatro Grandes.

Em M ou N? (N or M?, 1941), sua terceira aventura, T & T voltam à ativa em plena Segunda Guerra, quando agentes infiltrados (os “quinta-colunas”) no seio da comunidade britânica auxiliam os nazistas a realizar seus intentos. A ação se passa na pensão Sans Souci, pacato estabelecimento no litoral, onde podem estar hospedados M ou N, agentes nazistas da confiança de Hitler. A única informação de que os Beresford dispõem é que M é mulher e N é homem. Mistura perfeita de adrenalina e suspense.

By the pricking of my thumbs (1968), é uma citação da peça Macbeth (da fala de uma bruxa). No Brasil, ganhou o título Um pressentimento funesto. Em sua quarta aventura, Tommy e Tuppence vão visitar a tia Ada, que mora num asilo. Tuppence conversa com a sra. Lancaster, que olha para a lareira e comenta: “A coitadinha era sua filha?”. A sra. Lancaster é retirada do asilo de modo tempestuoso, deixando como única pista o quadro de uma bucólica residência. Tuppence decide investigar o paradeiro da sra. Lancaster e o sinistro mistério por trás da “criança morta na lareira”.

Publicada em 1973, a quinta aventura dos Beresford, Portal do destino (Postern of fate), é a derradeira obra composta por Agatha. Depois ainda lançou dois romances escritos na década de 1940: Cai o Pano e Um crime adormecido (o último caso de Poirot e de Miss Marple). Portal do destino narra o mergulho no passado feito pelos Beresford ao encontrarem nas páginas de um livro no sótão da nova casa a mensagem: “Mary Jordan não morreu de morte natural”. Ladeados pelo cãozinho Hannibal, os Beresford voltam à ativa para desvendar o mistério. Uma curiosidade: Tuppence encontra na casa itens citados na autobiografia de Agatha (KK, Matilde e Truelove). Como em outras obras do fim de carreira de Agatha, Portal do destino foi gravado no ditafone e depois transcrito.

Em todas as cinco aventuras, o casal conta com a fiel colaboração do escudeiro Albert. Diálogos espirituosos, gosto pelo perigo e inesgotável juventude garantem aos Beresford lugar especial na galeria de personagens de Agatha Christie. Que teve um pressentimento nada funesto ao escrever em 1922 numa carta para sua mãe: “Não se preocupe com dinheiro. Algo me diz que a dupla Tommy e Tuppence será um sucesso."